sábado, 26 de setembro de 2009

Exposição dos Cinco pontos do Calvinismo




por João Ricardo Ferreira de França.


I – Contexto Histórico – O Sínodo de Dort.1. Sua Importância Política:Em primeiro lugar o Sínodo de Dort é de peculiar interesse histórico para a Grã-Bretanha, pois – embora fosse principalmente um ajuntamento holandês – o rei James I foi, na verdade, responsável em parte por sua existência! Nos anos anteriores a 1618-19 ele somou sua forte influência a dos homens na Holanda que clamavam pela convocação de um Sínodo nacional, para pôr fim às controvérsias teológicas que estavam perturbando a paz, e mesmo pondo em risco a sobrevivência dos Paises Baixos. Ainda mais, James escolheu vigorosamente os representantes calvinistas contra os oponentes arminianos. E, quando um tal Vortius, homem justamente suspeito como de opinião sociniana [unitarino], foi indicado para susbstituir Arminius na Universidade de Leiden, após sua morte, James notificou ao Estado Geral da Holanda que retiraria seu embaixador se Vortius não fosse demitido imediatamente.. Quando chegou o momento, James indicou cinco representantes para o Sínodo, todos do partido episcopal, que, juntamente com outros teólogos estrangeiros, teriam prerrogativas de participação nas deliberações do Sínodo além do direito de voto. Eram eles George Carleton, então bispo de Llandaff e posteriormente de Chichester; Joseph Hall, posterior e sucessivamente bispo de Exeter e Norwich; John Davenant, depois bispo de Salisbury; Samuel Ward, o celebrado erudito e mestre de Sidney Sussex College, Cambridge; e Walter Balcahqual, um escocês, capelão do rei e depois deão de Rochester. Hall adoeceu após alguns dias e ficou impossibilitado de dar continuidade às suas responsabilidades, mas foi substituído por Thomas Goad, capelão do arcebispo da Cantuária. É importante lembrar que estes homens não eram representantes do partido puritano da Igreja da Inglaterra.2. Sua Importância Religiosa:O Sínodo de Dort é também de grande importância por razões religiosas. “A controvérsia arminiana”, escreveu Philip Schaff, “é a mais importante que ocorreu dentro da Igreja Reformada”. Pode-se acrescentar que o sínodo que pôs fim à controvérsia, definiu claramente assuntos que sempre perturbaram a Igreja e continuam a perturbá-la ainda hoje.2.1 – Na Origem do Problema:Para entender-se o que ocorreu nos Paises Baixos, nas duas primeiras décadas do século dezessete, é necessário retroceder até o próprio Arminius e à origem da luta associada ao seu nome. James Arminius [latinizado de Jacob Hermanson] nasceu em 1560 e estudou em Leiden e Genebra na gestão de Teodoro Beza, sucessor de Calvino. Em 1588 tornou-se um dos ministros de Amsterdam, onde realmente começou o problema por causa da sua pregação relacionada particularmente com a exposição de Romanos 7. Os homens suspeitaram que ele estava saindo da confissão reformada, e houve considerável agitação na cidade por causa disso. Em 1630 foi indicado como professor de teologia em Leiden, em substituição ao célebre Franciscus Gomarus, um dos grandes teólogos da época, e assim ficou claro que Arminius tinha sérias objeções contra a doutrina da Igreja.2.2 – O Exame ao Sagrado Ministério denuncia o problema:Entretanto, agora, como antes em Amsterdam, mesmo tendo jurado não contradizer em seus ensinamentos a Confissão e aderir completamente a ela em suas lições públicas, dava, todavia, instrução em particular a certos estudantes selecionados, falando mais livremente de suas insatisfações e dúvidas. Seu sucesso em fazer prevalecer sobre os jovens seu próprio ponto de vista cedo tornou-se evidente quando estes se apresentaram ao exame dos Presbitérios para admissão no ministério. Arminius morreu em 1609 em meio à controvérsia, mas seu manto logo foi tomado por Johannes Uytenbogaert, o pregador da corte, e Simon Episcopus, seu sucessor na universidade.2.3 – A Remonstrance manifesta-se contra a doutrina da Igreja.Sob a liderança deles os arminianos, em 1610, prepararam uma representação (Remonstrance) [desde então passaram a ser chamados de os remonstrantes] na qual em princípio rejeitavam certas posições defendidas pelos calvinistas. Esta representação era formulada de tal maneira que oferecia mais uma caricatura do que uma representação correta da doutrina reformada; e prosseguiam asseverando em cinco posições [os cinco artigos do arminianismo] seus próprios pontos de vista; i.é, eleição condicional à presciência da fé; expiação universal [que Cristo “morreu por todos e por cada um, de forma que ele concedeu reconciliação e perdão de pecados a todos através da morte na cruz”]; a necessidade de regeneração para que o homem seja salvo [mas, como apareceu mais tarde, entendido de tal maneira que subestimava seriamente a depravação da natureza humana]; a resistibilidade da graça [“mas quanto ao modo desta graça, ela não é irresistível”]; e a incerteza da perseverança dos crentes. Os calvinistas responderam com a contra-remonstrance [desde então o nome contra-remonstrantes] com sete artigos reafirmando o ensinamento das confissões reformadas com respeito à doutrina da graça. A conferência teve lugar em Hague em 1611, mas não chegou a nenhuma acordo.Os anos seguintes testemunharam a exacerbação da controvérsia, que agora se espalhava velozmente pelo país e era marcada pela demanda crescente, da parte dos calvinistas, da convocação de um sínodo geral para pôr fim à disputa. Embora a Constituição da Igreja determinasse um Sínodo, no mínimo a cada três anos, nenhum havia sido permitido desde 1586.John Van Olden Barneveldt, Grande Pensionário da Holanda e o grande homem do momento, apoiava os arminianos e era de posicionamento erastiano quanto à relação entre Igreja e o Estado. Em seu ponto de vista e dos remonstrantes, que derivavam suas forças de autoridades políticas, o magistrado civil exercia autoridade em assuntos eclesiásticos.O príncipe Mauricio permaneceu neutro até 1616, quando começou abertamente a tomar o partido dos calvinistas e, nos idos do verão de 1617, estava participando publicamente do culto com a congregação reformada da capital. No mesmo ano, executou um bem sucedido golpe de estado contra Barneveldt e determinou, finalmente, a convocação de um sínodo da igreja holandesa.Foi uma extraordinária assembléia. Um antigo escritor disse dela o seguinte: “os membros deste sínodo formavam uma constelação dos melhores e mais eruditos teólogos que já se congregaram num concílio desde a dispersão dos apóstolos; salvo se excetuarmos a convocação imperial de Nicéia no quarto século” [Biographia Evangélica II, p. 456].O concílio incluía 56 ministros e presbíteros regentes das igrejas holandesas, 5 professores de teologia e 26 teólogos estrangeiros, além de 18 comissários políticos [não-membros do sínodo] que iriam supervisionar o processo e dar informações ao Estado Geral. Para se avaliar o peso da assembléia, basta citarem-se alguns nomes. Gomarus estava lá, sucessivamente professor em Leiden, Saumur e agora em Groningen; Lubbertus, de Franeker; Bogerman, o grande ministro de Leeuwaarden que estudou em diversas universidades continentais e então em Oxford e Cambridge [sob Reynolds e Perkins]; Diodati, o italiano que ensinava em Genebra; o jovem Voetius, que não havia ainda iniciado a estupenda carreira acadêmica que o faria, talvez, o mais influente teólogo da Europa; e Scultetus, Polyander, Lydius, Alting, Hommius, Triglandius, Meyer. Podia-se prosseguir referindo-se mais e mais nomes. Interessante é que o grande puritano William Ames, que por causa de seus princípios fora constrangido a fugir da Inglaterra, foi designado por Bogerman, presidente do sínodo, como seu secretário particular, para grande descontentamento dos delegados ingleses. Ames exerceria considerável influência nos bastidores.2.4 – O início do Sínodo:O Sínodo começou em 13 de novembro, com culto solene em holandês na Grande Igreja e em francês naquela que fora antes a igreja dos agostinianos. Após o que, ocorreram as sessões, 154 ao todo, O principal assunto em pauta era, é claro, a controvérsia arminiana, e treze dos remonstrantes foram convocados diante do Sínodo para prestarem contas de suas opiniões. Após alguma demora chegaram finalmente em 6 de dezembro, e até 14 de janeiro o Sínodo engajou-se na vã tentativa de extrair deles uma declaração clara de seus ensinamentos.Os arminianos – Episcopus à frente deles como presidente de uma espécie de contra-sínodo – utilizaram de toda engenhosidade para evitarem qualquer declaração deste tipo, exigiram que fosse seguida sua própria pauta de assuntos em lugar da do Sínodo, praticaram evasivas, táticas de retardamento e obstruções, caluniaram o Estado Geral implicando até mesmo o próprio príncipe Mauricio, e rejeitaram a autoridade do Sínodo em julgá-los; isto a despeito do fato de ser legalmente um Sínodo da Igreja em que ocupavam cargos, à qual confessavam pertencer, e a cuja disciplina estavam obrigados a se submeter em virtude de suas ordenanças e votos!Após um mês de esforços infrutíferos para se prosseguir com o assunto em pauta, tempo durante o qual Bogerman, o presidente, se conduziu com tal paciência e calma contida, que alguns dos seus colegas a achavam excessiva, em face à tamanha obstinação; não houve alternativa senão despedir Episcopus e seus companheiros. Os historiadores acusam Bogerman por sua conduta no dia fatídico de 14 de janeiro, quando por um momento pareceu ter perdido o auto-controle, mas sua exasperação é compreensível. Referindo-se às distorções deliberadas, e até mesmo falsidades com que os arminianos trataram o Sínodo, ele vociferou: “Vocês estão sendo mandados embora. Vão! Começaram com mentiras e terminaram com mentiras”. E uma vez mais gritou: “Ide! Ide!”. Após este fato o trabalho prosseguiu, fazendo uso, agora, dos escritos e não dos próprios remonstrantes, e o Sínodo formulou em cinco capítulos e noventa e três artigos, os famosos Cânones de Dort, que foram assinados por todos os delegados em 23 de abril e promulgados solenemente na Grande Igreja em 6 de maio de 1619, diante de numerosa congregação. Três dias mais tarde, após seis meses de trabalho exaustivo, os teólogos estrangeiros partiram e os teólogos holandeses permaneceram para 22 sessões adicionais devotadas, em sua maioria, à preparação de uma nova liturgia e ordem eclesiásticas.II – A Doutrina da Igreja Confirmada e Estabelecida nos Cânones de Dort:A doutrina da Igreja ficou estabelecida sendo conhecida como os Cinco pontos do calvinismo.I – Total Depravação do Homem:1) O que não singnifica?a) Não significa que o homem não possa fazer alguma coisa boa – um homem mesmo em estado de queda continua tendo a imagem de Deus nele, e assim, pode produzir uma boa arte, uma boa música. Isto está ligado a esfera da graça comum que atua no homem.b) Não significa que o homem é tão mau quanto poderia ser. – a doutrina ensina que o homem mesmo estando em pecado ele não alcança a sua medida profunda de maldade por causa da graça comum de Deus que o impede de ser tão mau quanto ele poderia ser.2) O que Significa?a) Significa que o homem por natureza nasce morto em delitos e pecados:“Ef 2:1-3 Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados, 2 nos quais andastes outrora, segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe da potestade do ar, do espírito que agora atua nos filhos da desobediência; 3 entre os quais também todos nós andamos outrora, segundo as inclinações da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos, por natureza, filhos da ira, como também os demais.”b) Significa que o pecado corrompeu toda a capacidade humana de forma que ninguém pode obter qualquer mérito sem a graça ( Romanos 5.12; 8.7-8)c) Significa que a vontade e as afeições do homem estão corrompidas:“Jeremias 13:23 3 Pode, acaso, o etíope mudar a sua pele ou o leopardo, as suas manchas? Então, poderíeis fazer o bem, estando acostumados a fazer o mal.Jeremias 17:9-10 9 Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto; quem o conhecerá? 10 Eu, o SENHOR, esquadrinho o coração, eu provo os pensamentos; e isto para dar a cada um segundo o seu proceder, segundo o fruto das suas ações.”d) Significa que o intelecto do homem está totalmente corrompido:“Ecclesiastes 9:3 3 Este é o mal que há em tudo quanto se faz debaixo do sol: a todos sucede o mesmo; também o coração dos homens está cheio de maldade, nele há desvarios enquanto vivem; depois, rumo aos mortos.Mark 7:21-23 21 Porque de dentro, do coração dos homens, é que procedem os maus desígnios, a prostituição, os furtos, os homicídios, os adultérios, 22 a avareza, as malícias, o dolo, a lascívia, a inveja, a blasfêmia, a soberba, a loucura. 23 Ora, todos estes males vêm de dentro e contaminam o homem.Ephesians 4:17-19 Isto, portanto, digo e no Senhor testifico que não mais andeis como também andam os gentios, na vaidade dos seus próprios pensamentos, 18 obscurecidos de entendimento, alheios à vida de Deus por causa da ignorância em que vivem, pela dureza do seu coração, 19 os quais, tendo-se tornado insensíveis, se entregaram à dissolução para, com avidez, cometerem toda sorte de impureza.”II – Uma Eleição Incondicional:A doutrina significa : que “A escolha de Deus em salvar alguns é baseada somente na misericórdia e amor eternos ”Não existe nada no homem que mova Deus a fazer a sua escolha do homem para a vida isto é claro, Deus não prevê a fé para puder eleger. Isso é bastante claro em Atos 13.48: “Acts 13:48 os gentios, ouvindo isto, regozijavam-se e glorificavam a palavra do Senhor, e creram todos os que haviam sido destinados para a vida eterna”Deus não espera o homem abrir o coração para ele, mas ele abre o coração do pecador:“Acts 16:14 14 Certa mulher, chamada Lídia, da cidade de Tiatira, vendedora de púrpura, temente a Deus, nos escutava; o Senhor lhe abriu o coração para atender às coisas que Paulo dizia.”O sucesso da evangelização não está no suposto livre-arbítrio do homem, mas na eleição de Deus:“Acts 18:10-11 10 porquanto eu estou contigo, e ninguém ousará fazer-te mal, pois tenho muito povo nesta cidade. 11 E ali permaneceu um ano e seis meses, ensinando entre eles a palavra de Deus.”III – Limitada Expiação:É o ensino de que Cristo unicamente morreu pelos eleitos de Deus de forma suficiente e eficaz. Segundo Agostinho, a graça de Deus é "suficiente para todos, eficiente para os eleitos". Cristo foi sacrificado para redimir Seu povo, não para tentar redimi-lo. Ele abriu a porta da salvação para todos, porém, só os eleitos querem entrar, e efetivamente entram. (Jo 17:6,9,10; At 20:28; Ef 5:15; Tt 3:5)IV – Irresistível Graça:É a compreensão de que nenhum eleito rejeitará o chamado de Cristo que é de forma efi az. Embora os homens possam resistir à graça de Deus, ela é, todavia, infalível: acaba convencendo o pecador de seu estado depravado, convertendo-o, dando-lhe nova vida, e santificando-o. O Espírito Santo realiza isto sem coação. É como um rapaz apaixonado que ganha o amor de sua eleita e ela acaba casando-se com ele, livremente. Deus age e o crente reage, livremente. Quem se perde tem consciência de que está livremente rejeitando a salvação. Alguns escarnecem de Deus, outros se enfurecem, outros adiam a decisão, outros demonstram total indiferença para as coisas sagradas. Todos, porém, agem livremente. (Jr 3:3; 5:24; 24:7; Ez 11:19; 20; 36:26-27; 1Co 4:7; 2Co 5:17; Ef 1:19-20; Cl 2:13; Hb 12:2)V – Perseverança dos Santos:Alguns preferem dizer "perseverança do Salvador". Nada há no homem que o habilite a perseverar na obediência e fidelidade ao Senhor. O Espírito é quem persevera pacientemente, exercendo misericórdia e disciplina, na condução do crente. Quando ímpio, estava morto em pecado, e ressuscitou: Cristo lhe aplicou Seu sangue remidor, e a graça salvífica de Deus infundiu-lhe fé em para crer em Cristo e obedecer a Deus. Se todo o processo de salvação é obra de Deus, o homem não pode perdê-la! Segundo a Bíblia, é impossível que o crente regenerado venha a perder sua salvação. Poderá até pecar e morrer fisicamente (1Co 5:1-5). Os apóstatas nunca nasceram de novo, jamais se converteram. (Is 54:10; Jo 6:51; Rm 5:8-10; 8:28-32, 34-39; 11:29; Fp 1:6; 2Ts 3:3; Hb 7:25)

Subscrição das Confissões: Um Instrumento de Segurança Espiritual para a Igreja



Por Rev. Adriano Gama (Pr da Igreja Reformada no Grande Recife)


Quando se fala a palavra “subscrição” devemos lembrar do ato de colocar uma assinatura embaixo de um documento, confirmando ou firmando o conteúdo nele escrito.Nós conhecemos bem na prática o que seja uma subscrição, pois assinamos certidões de casamento, habilitações, contratos, cheques, recibos ou outros documentos que exigem de nós uma confirmação ou um compromisso com algo ou alguém.A subscrição, apesar de ser um pedaço de papel com tinta e uma assinatura nele impressa, representa um compromisso com aquilo que está escrito e assim segurança para as partes envolvidas.Na Igreja de Cristo também existem subscrições. O conselho e os concílios subscrevem as suas atas confirmado e se compromentendo com as decisões tomadas. Os delegados das igrejas apresentam nos concílios suas credencias assinadas pelos seus Conselhos e sem essas cartas assinadas eles não podem ser recebidos como delegados nesses concílios. E os oficiais de Cristo nas igrejas também subscrevem um documento por meio do qual eles se comprometem a ensinar, defender e se submeter as as Confissões de Fé e a disciplina caso não cumpram seu compromisso. Esse documento é conhecido como Forma de Subscrição das Confissões.Devemos lembrar alguma coisa sobre as Confissões e o valor delas para segurança das igrejas. As Confissões não são a Palavra de Deus, mas são o ensino fiel dela. As igrejas de Cristo sempre entenderam que a unidade na Doutrina é o fundamento da unidade entre as igrejas. Podemos dizer que as confissões escritas de nossas igrejas são a pedra fundamental da nossa existência como uma denominação.João Calvino (1509-1564) entendeu bem isto. Por isso, uma das primeiras coisas que ele fez quando começou seu ministério em Genebra (Suíça) foi escrever uma Confissão de Fé. Também as igrejas na França em seu primeiro Sínodo (1559) aceitaram uma Confissão de Fé comum. As Igrejas Reformadas do Sul da Holanda (hoje Bélgica) da mesma maneira aceitaram a Confissão de Fé Belga no seu primeiro Sínodo (Armentieres, 1563). As Igrejas das províncias do Norte da Holanda fizeram também o mesmo no seu primeiro Sínodo (Enden, 1571). Elas rapidamente adotaram obrigatoriamente a mesma Confissão e o Catecismo de Heidelberg.Todo esse testemunho histórico mostra como as igrejas de Cristo tem sentido a necessidade de assegurar a pureza da doutrina e unidade na Fé desde o início de sua história.E sobre os oficiais recai maior peso de manter segura a pureza e a unidade na Fé. E, por isso, os oficiais têm o dever de subscreverem a Forma de Subscrição quando são ordenados ou antes de começarem o exercício no ofício. Essa prática também é antiga.Durante as primeiras décadas da Reforma do Século XVI as igrejas da Holanda não tinham uma Forma de Subscrição. Os ministros faziam apenas uma declaração verbal de concordância e depois uma simples subscrição foi usada, que não mostrava um compromisso muito claro com as Confissões.Mas, com o passar do tempo, apareceu a necessidade das igrejas estabelecerem uma Forma de Subscrição que firmasse o compromisso e concordância plena dos oficiais com as Confissões Reformadas.Essa necessidade se mostrou mais urgente por causa dos Arminianos (seguidores de Jacó Armínio: 1560-1609). Tanto Armínio como os ministros arminianos subscreveram a Confissão e o Catecismo, mas continuaram a expressar suas idéias contrárias a doutrina reformada, especialmente, contra a doutrina da eleição (Confissão de Fé Belga Arts. 16 e 17).No início do ano 1608 um Concílio Regional na Holanda (Alkmaar) considerou que seria importante uma Forma de Subscrição mais bem elaborada que desse segurança à igreja contra as heresias. Essa Forma de Subscrição continha uma declaração de plena concordância com o Catecismo de Heidelberg, a Confissão de Fé Belga e uma promessa que obrigava os seus assinantes de “manter a doutrina neles contidos e que ele abertamente rejeitava todas doutrinas que se opusessem ao Catecismo e a Confissão de Fé Belga”.Essa Forma do Concíio Regional foi adotada (com certas modificações) por outras assembléias eclesiásticas (concílios e sínodos) e, finalmente, o Grande Sínodo de Dort (1618-1619) definiu que ministros e os professores das Universidades teriam que assiná-la (Art. 53 do Regimento de Dort). Isto fez os oficiais e professores terem compromisso com a Fé Bíblica ensinada nas Três Formas de Unidade: Confissão de Fé Belga, Catecismo de Heidelberg e os Cânones de Dort.A Forma de Subscrição adotada pelas igrejas no Grande Sínodo de Dort foi com o tempo sofrendo pequenas adaptações. Hoje a Forma que os oficiais das Igrejas Reformadas do Brasil assinam tem a mesma natureza. E todos oficiais dessas igrejas são conscientes das suas responsabilidades bem expressas nas partes da Forma de Subscrição.Podemos dividir a nossa Forma de Subscrição em 4 partes:Primeira, uma declaração de concordância plena com as Confissões: “Estamos plenamente convictos de que a doutrina reformada, expressa nas Três Formas de Unidade – a Confissão de Fé, o Catecismo de Heidelberg e os Cinco Artigos da Fé Contra os Arminianos – está em plena conformidade com a Palavra de Deus, em todas as suas partes.”Segunda parte, uma promessa para ensinar e defender a doutrina reformada, e rejeitar e refutar todo erro doutrinário: “Por isso prometemos que nós, cada um em seu próprio ofício, ensinaremos esta doutrina com dedicação, a defenderemos fielmente e rejeitaremos qualquer ensino que esteja em conflito com a doutrina reformada”.Terceira parte, uma promessa para expôr dúvidas ou mudanças de pensamento quanto a doutrina: “Prometemos que, caso fiquemos com uma objeção contra esta doutrina ou mudemos de pensamento, não ensinaremos ou defenderemos nosso pensamento, nem publicamente nem de outro modo, mas apresentaremos nosso pensamento ao Conselho para que seja investigado por ele.Quarta parte, uma promessa de submissão a investigação e disciplina por parte do Conselho: “Prometemos que sempre estaremos dispostos a explicarmos melhor nosso pensamento a respeito de qualquer parte da doutrina reformada, caso o Conselho exija isto por motivos fundamentados, afim de reservar a unidade e a pureza da doutrina. Se quebrarmos esta promessa, também seremos suspensos, embora fique preservado nosso direito de apelar contra decisões consideradas injustas. Mas durante o período de apelação nós nos conformaremos com a sentença do Conselho.”O final da Forma de Subscrição mostra claramente o objetivo de se assinar tal documento: “Assim declaramos e prometemos agir para a glória do Senhor e para a edificação da sua Igreja”.Esse final da Forma é muito importante, pois o SENHOR chamou e ordenou homens para Sua Glória e para a edificação da Sua Igreja. E os oficiais agem para glória de Deus quando mantêm pura a Sua doutrina que é bem exposta nas nossas Confissões. Também, os oficiais só edificam a Igreja quando mantemos a unidade na mesma Fé.Por esse motivo devemos manter essa boa prática de exigir a subscrição de compromisso com as Confissões, especialmente, no meio de um mundo onde se prega e se vive uma diversidade doutrinária que não glorifica a Deus nem edifica Sua Igreja.Devo encerrar dizendo que a Forma de Subscrição não é a segurança plena para manter a glória de Deus e a edificação da Igreja. Pode haver mil subscrições e todas elas serão sem efeito se não houver a disciplina eclesiástica dentro da Igreja. É a disciplina na Igreja que vai fazer valer o que se diz e se assina na Forma de Subscrição.Mas, isto não tira a importância da Forma de Subscrição, pois, por meio da disciplina bíblica, ela se torna um eficiente instrumento de Segurança Espiritual para a Igreja de Cristo. A Forma lembra e firma o compromisso daqueles que vão servir no ofício e os seus deveres. Assim a Forma protege os oficiais do erro e indica o caminho como eles devem tratar suas possíveis dúvidas.A Forma também protege a igreja, pois preve a suspensão e a disciplina para os oficiais que se rebelam contra a doutrina da Escritura. Assim a Forma é um instrumento que dá segurança espiritual à igreja.Portanto, encerro na esperança que este pequeno artigo tenha esclarecido você sobre a prática de termos uma Forma de Subscrição, a sua importância. Faço isto para que você seja estimulado a orar e trabalhar a fim de que essa boa prática seja mantida em nosso meio. Que o SENHOR Deus, em Jesus Cristo, nos guarde por Seu Espírito Santo e Sua Palavra.


Fontes de pesquisa:1. Degier, K. Explanation of the Church Order of Dordt: In Questions and Answers – Netherlands Reformed Book and Publishing Committee. Grand Rapids: 2000.2. Van Dallen and Monsma, The Church Order Commentary: A Brief Explanation of the Church Order of the Christian Reformed Church.3. Van Oene, W. W. J.. With Common Consent – A practical guide to the use of the Church Order Of the Canadian Reformed Churches - Premier Publishing.4. Feenstra, Peter G. . Unspeakable Comfort – A Comm.entary on The Canons of Dort - Premier Publishing.5. Forma de Subscrição dos oficiais das Igrejas Reformadas do Brasil6. Regimento das Igrejas Reformadas

São as igrejas Reformadas uma nova Seita?


Talvez você tenha ouvido falar de uma igreja reformada. Esta igreja tem um ensino, um padrão de culto, governo, e um estilo de vida bem diferente de muitas igrejas que se chamam evangélicas.Talvez alguém já tenha lhe falado: “Cuidado! É uma seita, uma seita nova”.Se você não tiver medo da verdade, convido-o a ler um pouco sobre o que são verdadeiramente as Igrejas Reformadas. Depois de tomar melhor conhecimento dos fatos, você pode tomar uma decisão sobre a pergunta que é tema desta postagem.A Grande Reforma Protestante (1517)Nos quase 1500 anos entre a Igreja Primitiva e a reforma Protestante, a Igreja estava se desviando mais e mais da Pureza da doutrina e da adoração que a Bíblia ensina. A Igreja através dos séculos estava afundando mais e mais na superstição da igreja Romana. Mas Deus sempre manteve um remanescente fiel que conhecia o verdadeiro evangelho: Que Deus salva pecadores por pura graça, não por obras.Na grande Reforma protestante, Deus usou homens como Martinho Lutero e João Calvino para reformar a Igreja. O intuito dos reformadores em especial João Calvino e seus sucessores, nunca foi estabelecer uma nova Igreja. Eles entenderam que estavam reformando a única Igreja de Cristo e trazendo-a de volta à doutrina e práticas das Escrituras.As Igrejas Reformadas do Brasil são ligadas pela historia e pela confissão de fé apostólica com todas as igrejas Fiéis que voltaram à pura doutrina e à verdadeira adoração bíblica na Grande Reforma. A Grande Reforma redescobriu a ligação Bíblica com a igreja primitiva apostólica, e assim as Igrejas Reformadas têm uma linhagem que vai até os tempos apostólicos.As Igrejas Reformadas no Brasil: Primeira Igreja evangélica no País (1555-1558)Em 1555, iniciou-se a colônia Francesa na Baía de Guanabara, onde hoje se encontra a cidade do Rio de Janeiro. Em 1557, chegou um grupo de Cristão reformado, junto com vários pastores mandados pelo reformador João Calvino. Assim os primeiros cultos evangélicos no país foram celebrados no Rio de Janeiro, por uma Igreja Reformada francesa.A Igreja Reformada da Baía de Guanabara: primeiros mártires brasileiros (1558).Infelizmente os reformadores foram traídos e perseguidos pelos romanistas franceses, assim a Igreja Reformada foi dizimada. Os primeiros mártires brasileiros pelo evangelho do Senhor Jesus Cristo forma membros da Igreja Reformada. Antes de morrerem, eles escreveram a confissão de Guanabara – A primeira confissão de fé do novo mundo.As Igrejas Reformadas do Nordeste: Primeira Igreja missionária do Pais (1630-1654).Muitos conhecem o nome Mauricio de Nassau, que governou o Brasil holandês com uma tolerância e sabedoria muito adiantada para sua época. Poucos sabem que o Conde Nassau fazia parte da família real da Holanda. A família Nassau estava sob juramento de defender a féreformada e promover a tolerância religiosa e liberdade de consciência.Durante anos que Pernambuco e uma grande parte do Nordeste ficaram debaixo do governo holandês, as Igrejas Reformadas embarcaram num projeto missionário impressionante. Dezenas de pastores e missionários pregaram a fé reformada em vários idiomas: inglês, francês, espanhol, holandês, português, e até em Tupi (Língua Indígenas).O catecismo de Heidelberg, que ensina o caminho da salvação, foi traduzido em tupi. Muitas aldeias conheceram a graça de Deus em Jesus Cristo, e muitos indígenas se converteram ao Senhor. Você já ouviu falar do famoso índio Poty? Ele foi membro da Igreja Reformada.As Igrejas Reformadas e a Tradução da Bíblia em português (Séc XVII e XVIII).Convido a você a abrir sua bíblia nas primeiras páginas. A grande maioria das Bíblias usadas no Brasil faz uso da tradução de um tal de “João Ferreira de Almeida”. Quem foi este homem? Ele foi um dos primeiros portugueses a abraçar publicamente a fé reformada, em 1642. Mais tarde ele se tornou um pastor das Igrejas Reformadas numa região da Ásia onde se fala português, e iniciou o trabalho de traduzir a Bíblia para a língua portuguesa. A obra que se iniciou foi completada por outros pastores reformados no séc XVIII.As Igrejas reformadas e a segunda Vinda da Igreja Evangélica para o Brasil (séc XIX).No séc XIX, depois de muitos séculos, a igreja voltou para o Brasil. Foram os Presbiterianos e Congregacionais que trouxeram a Pregação reformada ao Brasil: Deus salva pecadores por pura graça não por obras. É importante observar que as igrejas Presbiterianas e Congregacionais originalmente foram herdeiras da Grande Reforma Protestante por meio de Genebra, que é o berço das Igrejas Reformadas.As igrejas da reforma no continente da Europa costumam chamar-se “Igrejas Reformadas”, enquanto as igrejas da Grã Bretanha e nos Estados Unidos costumavam chamar-se de “Presbiteriana” ou “Congregacionais”.As Igrejas Reformadas no Brasil (séc XX e XXI).No decorrer do séc XX, várias Igrejas reformadas foram estabelecidas no Brasil por imigrantes vindo da Holanda. No ano de 1970 as Igrejas Reformadas do Canadá iniciaram trabalhos missionários em pequenas aldeias de pescadores entre Recife e Maceió, na mesma época, as Igrejas Reformadas holandesas iniciaram uma obra missionária no estado do Paraná. Hoje existem Igrejas Reformadas oriundas da Reforma Protestante continental em muitos estados e cidades do Brasil.Qual sua Conclusão?As Igrejas Reformadas vêm da Grande Reforma Protestante do séc XVI, e através desta reforma tem um ligação com a igreja primitiva apostólica. O primeiro culto evangélico no Brasil foi feito pela Igreja Reformada, já no séc XVI. Os primeiros mártires brasileiros forma membros da Igreja Reformada. A primeira confissão do novo mundo foram escritas, e desenvolvidas por membros da Igreja Reformada. A tradução da Bíblia em Português foi por um pastor reformado.À luz deste fatos, o que você vai responder quando alguém, que faz parte de uma igreja que apareceu apenas a 100 anos atrás, lhe disser que as Igreja Reformadas são uma nova seita?

A Piedade em Calvino



Extraído do livro Vencendo o Mundo do Dr. Joel Beeke. p.p.43-46. Postado por Madson Marinho

As Institutas, escritas por João Calvino, fizeram-no receber o título de “o sistematizador preeminente da Reforma Protestante”. Com freqüência a reputação de Calvino como um intelectual é vista separadamente do contexto pastoral e espiritual em que ele escreveu sua teologia. Para Calvino, o entendimento teológico e a verdade, a piedade e a utilidade prática são inseparáveis. Antes de tudo, a teologia lida com o conhecimento – conhecimento de Deus e de nós mesmos; mas não há conhecimento verdadeiro, onde não há piedade verdadeira.
1. Definição e importância.
O conceito de piedade (pietas) ensinada por Calvino se fundamentava no conhecimento de Deus, incluindo atitudes e ações direcionadas à adoração e ao serviço de Deus. Além disso, a pietas de Calvino incluía uma hoste de temas relacionados, tais como o amor nos relacionamentos humanos e o respeito à imagem de Deus nos seres humanos. Essa piedade é evidente em pessoas que reconhecem, por meio da fé experiencial, que foram aceitas em Cristo e enxertadas no corpo dEle, pela graça de Deus. Nesta “união mística”, o Senhor declara essas pessoas como pertencentes a Ele, tanto na vida como na morte. Elas se tornam povo de Deus e membros de Cristo pelo poder do Espírito Santo. Este relacionamento restaura-lhes o gozo da comunhão com Deus e recria-lhes uma nova vida. Liberta-as da escravidão ao mundanismo carnal.
Pietas é um dos grandes temas da teologia de Calvino, pois sua teologia é sua piedade descrita em profundidade. Ele estava determinado a confinar a teologia aos limites da piedade. No prefácio dirigido ao rei Francisco I, Calvino afirma que o propósito em escrever as Institutas era “transmitir unicamente certos rudimentos pelos quais aqueles que possuem zelo pelo cristianismo podem ser moldados na verdadeira piedade” para Calvino piedade designa a atitude correta de um homem para com Deus. É uma atitude que inclui conhecimento verdadeiro, adoração sincera, fé salvadora, temor filial, submissão e amor reverentes. Saber quem e como Deus é (teologia) envolvem atitudes corretas para com Ele e fazer o que Ele deseja (piedade). em seu primeiro catecismo, Calvino escreveu: “A verdadeira piedade consiste em um sentimento sincero que ama a Deus como Pai e O reverencia como Senhor; apropria-se de Sua Justiça e teme mais o ofendê-Lo do que enfrentar a morte”. Nas Institutas João Calvino é mais sucinto: “chamo de piedade aquela reverência unida ao amor a Deus, o amor que é fruto do conhecimento de seus benefícios”. Esse amor e reverência para com Deus é um acompanhamento indispensável a qualquer conhecimento de Deus e abrange todos os aspectos da vida. Conforme afirmou Calvino: “Toda a vida dos crentes deve ser um tipo de prática da piedade”. O subtítulo da primeira edição das Institutas dizia: “incluindo quase todo o resumo da piedade e qualquer coisa necessária para se conhecer a doutrinada salvação; uma obra muito digna de ser lida por todos os zelosos por piedade”.
Os comentários de Calvino também refletem a importância de pietas. Por exemplo, ele escreveu sobre 1 Timóteo 4:7-8: “você fará algo de grande valor se, com todo o seu zelo e habilidade, se dedicar unicamente a piedade. A piedade é o começo, o meio e o fim do viver cristão. Onde ela é completa, não há falta de nada... A conclusão é que devemos concentrar-nos, exclusivamente na piedade, pois uma vez que a tenhamos atingido, Deus não exige de nós qualquer outra coisa”. Comentando

2 Pedro 1:3, Calvino disse: “Quando Pedro fez menção da vida, acrescentou imediatamente a piedade, como se esta fosse a essência da vida”.
2. Piedade e a Glória de Deus.
O alvo da piedade, bem como de toda vida cristã, é a glória de Deus – a glória que resplandece nos atributos de Deus, na estrutura do mundo, na morte e na ressurreição de Jesus Cristo. No que diz respeito a todos os que são verdadeiramente piedosos, o glorificar a Deus supera a salvação pessoal. Por isso Calvino escreveu ao cardeal Sadoleto: “Não é uma teologia bastante saudável confinar os pensamentos de um homem a ele mesmo e não apresentar-lhe, como motivo fundamental de sua existência o zelo pela gloria de Deus..., Estou convencido: Não existe nenhum homem que possua a piedade verdadeira e não considere como insípida aquela extensa e laboriosa exortação em favor do zelo pela vida celestial, um zelo que o mantém totalmente dedicado a si mesmo e que não o desperta, nem mesmo por uma única expressão, a santificar o nome de Deus”.
O alvo da piedade- que Deus seja glorificado em nós- é aquilo para que fomos criados. Portanto, o nascido de novo anela por vivenciar o propósito de sua criação original. De acordo com Calvino, o homem piedoso confessa: ”somos de Deus; vivamos e morramos para Ele. Somos de Deus; sejamos governados por sua sabedoria e vontade em todos os nossos atos. Somos de Deus; em harmonia com isso, devemos segui-Lo como nosso único objetivo lícito, em todo os aspecto de nossa vida”.
Deus redime, adota, santifica o seu povo, para que sua glória resplandeça neles e os liberte da busca pelo egoísmo ímpio. O profundo interesse do homem piedoso é Deus mesmo e suas coisas-Sua Palavra, Sua autoridade, Seu evangelho, Sua verdade. O homem piedoso tem intenso de conhecer mais a Deus e de ter mais comunhão com Ele como seu único Alvo.
Mas como glorificamos a Deus? Calvino escreveu: “Deus nos prescreveu uma maneira pela qual Ele pode ser glorificado por nós, a saber, a piedade, que consiste na obediência à sua Palavra. Aquele que ultrapassa esses limites não está honrando a Deus; pelo contrário está desonrando-O. A obediência à palavra de Deus significa refugiar-se em Cristo para o perdão de nossos pecados, conhecê-Lo por meio de sua palavra, servi-Lo com um coração cheio de amor, praticar boas obras em gratidão por sua bondade e exercitar auto-renúncia, a ponto de amar nossos inimigos. Esta resposta envolve rendição total a Deus mesmo, à sua Palavra e à sua vontade.
Calvino disse: “Ofereço-Te meu coração, Senhor, imediatamente e sinceramente”. Esse é o desejo de todos os que são verdadeiramente piedosos. Contudo, esse desejo pode ser realizado apenas por meio da comunhão com Cristo e da participação nEle; pois, fora de Cristo, até a pessoa mais religiosa vive para si mesma. E Apenas em Cristo os piedosos podem viver como servos voluntários, soldados leais de seu comandante e filho de seu Pai.





sábado, 15 de agosto de 2009

Como Zaquel?



Achei este artigo interessante e resolvir postar!

Alguns internautas têm me instigado a analisar a composição “Faz um milagre em mim”. Eu vinha evitando fazer isso, a fim de não provocar a ira dos fãs do cantor que interpreta esse hit “evangélico”. Afinal, vivemos em uma época em que dar uma opinião à luz da Bíblia desperta a fúria daqueles que dizem ser servos de Deus, mas são, na verdade, fãs, fanáticos e cristãos nominais.Resolvi, pois, atender os irmãos que desejam obter um esclarecimento quanto ao conteúdo da canção mais cantada pelo povo evangélico na atualidade, a qual começa assim: “Como Zaqueu, eu quero subir o mais alto que eu puder”.Primeira pergunta para reflexão: Zaqueu, quando subiu na figueira, era um seguidor de Jesus, um verdadeiro adorador? Não. Ele era um chefe dos publicanos, desobediente a Deus e corrupto (Lc 19.1-10). Nesse caso, como um crente em Jesus Cristo, liberto do poder do pecado, pode ainda desejar ser como Zaqueu, antes de seu maravilhoso encontro com Jesus?Segunda pergunta para reflexão: Por que Zaqueu subiu naquela árvore? Ele estava sedento por salvação? Queria, naquele momento, ter comunhão com Jesus? Não. A Palavra de Deus afirma: “E, tendo Jesus entrado em Jericó, ia passando. E eis que havia ali um varão chamado Zaqueu; e era este chefe dos publicanos, e era rico. E procurava ver quem era Jesus, e não podia, por causa da multidão, pois era de pequena estatura” (Lc 19.1-3). Ele não subiu na figueira porque estava desejoso de ter comunhão com Jesus, mas porque estava curioso para vê-lo.Terceira pergunta para reflexão: O verdadeiro adorador deve agir como Zaqueu, ou como o salmista, que, ao demonstrar o seu desejo de estar na presença de Deus, afirmou: “Como o cervo brama pelas correntes das águas, assim suspira a minha alma por ti, ó Deus! A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo: quando entrarei e me apresentarei ante a face de Deus?” (Sl 42.1,2)? Será que o pecador e enganador Zaqueu tinha a mesma sede do salmista? Por que um verdadeiro adorador desejaria ser como Zaqueu?Mas o hit “evangélico” continua: “Só pra te ver, olhar para ti e chamar sua atenção para mim”. Outra pergunta para reflexão: Será que precisamos subir o mais alto que pudermos para chamar a atenção do Senhor? Zaqueu, segundo a Bíblia, subiu na figueira por curiosidade. Mas Jesus, olhando para cima, lhe disse: “Zaqueu, desce depressa, porque hoje me convém pousar em tua casa” (Lc 19.5). Observe que não foi Zaqueu quem chamou a atenção de Jesus. Foi o Senhor quem olhou para cima e viu aquele pecador perdido e atentou para ele (cf. Mt 9.36).A atitude de Zaqueu que nos serve de exemplo não foi o subir, e sim o descer, para atender o chamamento de Jesus: “E, apressando-se, desceu, e recebeu-o gostoso” (Lc 19.6). Por conseguinte, pergunto: O adorador, salvo, transformado, precisa subir para chamar a atenção de Jesus? Não. Na verdade, o Senhor está com o contrito e abatido de espírito (Is 57.15). Espiritualmente falando, Ele atenta para quem desce, e não para quem sobe (Sl 138.6; Lc 3.30).Mais uma pergunta para reflexão: Se a atitude que realmente recebe destaque, na história de Zaqueu, foi a sua descida, por que a canção enfatiza a sua subida? O mais lógico não seria cantar “Como Zaqueu, eu quero descer”? Reflitamos. Afinal, como diz uma frase que circula na grande rede, o Senhor Jesus morreu para tirar os nossos pecados, e não a nossa inteligência.A composição não é de todo condenável, pois o adorador que se preza deve mesmo cantar: “Eu preciso de ti, Senhor. Eu preciso de ti, ó Pai. Sou pequeno demais, me dá a tua paz”. Mas, a frase seguinte provoca outra pergunta para reflexão: “Largo tudo pra te seguir”. Estamos mesmo dispostos a largar tudo para seguirmos ao Senhor? E mais: É preciso mesmo largar tudo para segui-lo?O que o Senhor Jesus nos ensina, em sua Palavra? Em Mateus 16.24, Ele disse: “Se alguém quiser vir após mim, renuncie-se a si mesmo, tome sobre si a sua cruz, e siga-me”. Renunciar não é, necessariamente, abandonar, largar, mas pôr em segundo plano. A própria família pode ser um obstáculo para um adorador. Deve ele, nesse caso, largá-la, abandoná-la? Claro que não! Renúncia equivale a priorizar uma coisa em detrimento de outra.Não precisamos largar a família, o emprego, etc. para seguir o Senhor! Mas precisamos considerar essas coisas secundárias ante a relevância de priorizar a comunhão com Jesus (Mt 10.27). Nesta última passagem vemos que o adorador deve amar prioritariamente o Senhor Jesus, mas sem abandonar tudo para segui-lo! Não confundamos renúncia com abandono. O que devemos largar para seguir a Jesus é a vida de pecado, e não tudo.A canção continua: “Entra na minha casa. Entra na minha vida”. O compositor se refere a Zaqueu, mas não foi este quem convidou o Senhor para entrar em sua casa. Na verdade, foi Jesus quem lhe disse: “Zaqueu, desce depressa, porque hoje me convém pousar em tua casa” (Lc 19.5). Nota-se, pois, que esta parte da canção não é essencialmente cristocêntrica, e sim antropocêntrica. Mais uma pergunta para reflexão: O hit em apreço prioriza a obra que Jesus faz na vida do pecador, ou dá mais atenção ao que o homem, o ser humano, faz para conseguir o que deseja? A canção enfatiza a Ajuda do Alto, ou a autoajuda?Outra pergunta: Um verdadeiro adorador, um servo de Deus, alguém que louva a Jesus de verdade, que canta louvores ao seu nome, não é ainda uma habitação do Senhor? Por que pedir a Ele que entre em nossa casa e em nossa vida, se já somos moradas de Deus (Jo 14.23; 1 Co 6.19,20)?A parte mais contestada da composição em apreço sinceramente não me incomoda muito: “Mexe com minha estrutura. Sara todas as feridas”. Que estrutura seria essa? No Salmo 103.14 está escrito: “... ele conhece a nossa estrutura; lembra-se de que somos pó”. Deus, é claro, conhece-nos profundamente. Ele conhece a totalidade do ser humano: espírito, alma e corpo (1 Ts 5.23; Hb 4.12). Creio que o compositor tomou como base o que aconteceu com Zaqueu. O seu encontro com o Senhor mudou a sua vida por completo, “mexeu com a sua estrutura” (Lc 19.7-10). Deus faz isso na vida do pecador, no momento da conversão, e continua a transformar os salvos, a cada dia (2 Co 3.18).Quanto a sarar feridas, o Senhor Jesus de fato nos cura interiormente. Mas não pense que estou aqui defendendo a falsa cura interior, associada a regressão psicológica, maldição hereditária, etc. Não! O Senhor Jesus, mediante a Palavra de Deus e a ação do Espírito Santo, cura os quebrantados do coração, dando-lhes uma nova vida (Lc 4.18; 2 Co 5.17).Diz ainda a canção: “Me ensina a ter santidade. Quero amar somente a ti. Porque o Senhor é o meu bem maior”. Sendo honesto e retendo o que é bom na composição (1 Ts 5.21), Deus, a cada dia, nos ensina a ser santos, em sua Palavra (Hb 12.14; 1 Pe 1.15-25). Além disso, Ele é, sem dúvidas, o que temos de mais precioso mesmo e, por isso, devemos amá-lo acima de todas as coisas (2 Co 4.7; Lc 10.27).Quanto à última frase “Faz um milagre em mim”, o compositor comete o mesmo erro de português constante da campanha de publicidade da Embratel: “Faz um 21”. Na verdade, no caso da canção o correto seria: “Faze um milagre em mim”. E, no caso da Embratel: “Faça um 21”. (...)Diante do exposto, que os pecadores, à semelhança de Zaqueu, desçam, humilhem-se, a fim de receberem a gloriosa salvação em Cristo (Lc 18.9-14). E quanto a nós, os salvos, os verdadeiros adoradores, em vez de subirmos o mais alto que pudermos, que também desçamos a cada dia, humilhando-nos debaixo da potente mão de Deus (1 Pe 5.6), a fim de que Ele nos ouça e nos abençoe (2 Cr 7.14,15)."Ciro Sanches Zibordi
Pastor da Assembléia de Deus - Niterói
Postado por Madson Marinho

domingo, 9 de agosto de 2009

Divórcio e Novo Casamento







Divórcio e Novo Casamento: Uma Declaraçãopor
John Piper
21 de julho de 1986



Pano de fundo e Introdução
Em toda a minha vida adulta, até o momento em que encarei a necessidade de lidar com divórcio e novo casamento no contexto pastoral, sustentei a visão protestante prevalecente, que afirma que o novo casamento após o divórcio é sancionado biblicamente em casos em que o divórcio foi resultado de uma deserção ou de adultério persistente. Somente quando eu fui compelido, alguns anos atrás, ao estudar Lucas, a lidar com a afirmação absoluta de Jesus em Lucas 16.18, comecei a questionar esta posição inerente.
Eu senti um peso imenso por ter de ensinar à nossa congregação qual a vontade revelada de Deus neste assunto de divórcio e novo casamento. Eu não estava desavisado que entre meu povo haviam aqueles que se divorciaram-se e casaram-se novamente, aqueles que se divorciaram e permaneceram descasados, e aqueles que estavam em processo de divórcio ou contemplando isto como uma possibilidade. Eu sabia que isto não seria um exercício acadêmico, mas que de imediato afetaria várias pessoas muito profundamente.
Eu também estava ciente das horrendas estatísticas em nosso próprio país, assim como em outros países ocidentais, a respeito do número de casamentos que terminam em divórcio, e do número de pessoas que estão no segundo e terceiro casamentos. Em meu estudo de Efésios 5, fui cada vez mais convencido que há uma profunda significação na união de marido e mulher em “uma só carne” como parábola do relacionamento entre Cristo e sua igreja.
Todas as coisas conspiravam para criar um sentimento de solenidade e seriedade enquanto eu pesava o significado e a implicação dos textos bíblicos sobre divórcio e novo casamento. O resultado desta experiência crucial foi a descoberta do que eu creio, uma proibição neotestamentária de todo novo casamento, exceto no caso em que o cônjuge faleceu. Eu não afirmo que encontrei ou disse a última palavra nesta questão, nem que eu estou além de correção caso prove-se que estou errado. Estou ciente de que homens mais piedosos que eu tiveram opiniões diferentes. Entretanto, todas as pessoas e igrejas devem ensinar e viver de acordo com o que dita sua própria consciência informada por um sério estudo da Bíblia.
Como conseqüência, este documento é uma tentativa de afirmar meu próprio entendimento deste assunto e seu fundamento na Escritura. Serve, portanto, como uma explanação bíblica do por que me sinto constrangido a tomar as decisões que tomo a respeito daqueles casamentos que realizarei e que tipo de disciplina eclesiástica parece-me apropriada em questões de divórcio e novo casamento.
Se eu desse uma exposição exaustiva de cada texto relevante, esta declaração viraria um gigantesco livro. Assim, o que planejo é trazer algumas explanações breves de cada um dos textos cruciais, como alguns argumentos exegéticos chaves. Haverão, sem dúvida, muitas questões que podem ser levantadas, e eu espero ser capaz de aprender com estas questões, e fazer o meu melhor para respondê-las na discussão que seguirá a esta declaração.
Parece que a forma mais eficiente de iniciar esta questão é simplesmente dar uma lista de razões, baseadas em textos bíblicos, com motivos para eu crer que o Novo Testamento proíbe todos os novos casamentos, exceto quando o cônjuge faleceu. O que se segue é uma lista desses argumentos.
Onze razões para eu crer que todo novo casamento após o divórcio é proibido enquanto os cônjuges estiverem vivos
1) Lucas 16.18 nos diz que todo novo casamento após o divórcio é adultério
Lucas 16.18: Qualquer que deixa sua mulher, e casa com outra, adultera; e aquele que casa com a repudiada pelo marido, adultera também.
1.1) Este verso mostra que Jesus não reconhece o divórcio como o término de um casamento aos olhos de Deus. A razão para o segundo casamento ser chamado de adultério é porque o primeiro é considerado ainda válido. Assim, Jesus está tomando uma posição contra a cultura judaica, em que considerava-se que todo divórcio levava ao direito de um novo casamento.
1.2) A segunda metade do versículo mostra que não apenas o homem divorciado é culpado de adultério quando ele casa-se novamente, mas também qualquer homem que casa-se com uma mulher divorciada.
1.3) Uma vez que não há exceções mencionadas no verso, e uma vez que Jesus está claramente rejeitando o conceito cultural comum de que o divórcio inclui o direito ao novo casamento, os primeiros leitores deste evangelho teriam uma grande dificuldade em argumentar qualquer exceção baseada na idéia de que Jesus compartilhava a premissa de que o divórcio por infidelidade ou deserção liberava um cônjuge para um novo casamento.
2) Marcos 10.11-12 chama todo novo casamento após o divórcio de adultério, seja o marido ou a esposa quem se divorcia
Marcos 10.11-12: E ele lhes disse: Qualquer que deixar a sua mulher e casar com outra, adultera contra ela. E, se a mulher deixar a seu marido, e casar com outro, adultera.
2.1) Esse texto repete a primeira metade de Lucas 16.18, mas vai além e diz que está cometendo adultério não apenas o homem que divorcia, mas também a mulher que divorica, e então casa-se novamente.
2.2) Como em Lucas 16.18, não há exceção mencionada a esta regra.
3) Marcos 10.2-9 e Mateus 19.3-8 ensinam que Jesus rejeitou a justificativa dos fariseus para divórcio em Deuteronômio 24.1 e reafirma o propósito de Deus na Criação, de que nenhum ser humano separe o que Deus uniu.
Marcos 10.2-9: E, aproximando-se dele os fariseus, perguntaram-lhe, tentando-o: É lícito ao homem repudiar sua mulher? 3 Mas ele, respondendo, disse-lhes: Que vos mandou Moisés? 4 E eles disseram: Moisés permitiu escrever carta de divórcio e repudiar. 5 E Jesus, respondendo, disse-lhes: Pela dureza dos vossos corações vos deixou ele escrito esse mandamento; 6 Porém, desde o princípio da criação, Deus os fez macho e fêmea. 7 Por isso deixará o homem a seu pai e a sua mãe, e unir-se-á a sua mulher, 8 E serão os dois uma só carne; e assim já não serão dois, mas uma só carne. 9 Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem.
Mateus 19.3-9: Então chegaram ao pé dele os fariseus, tentando-o, e dizendo-lhe: É lícito ao homem repudiar sua mulher por qualquer motivo? 4 Ele, porém, respondendo, disse-lhes: Não tendes lido que aquele que os fez no princípio macho e fêmea os fez, 5 E disse: Portanto, deixará o homem pai e mãe, e se unirá a sua mulher, e serão dois numa só carne? 6 Assim não são mais dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem. 7 Disseram-lhe eles: Então, por que mandou Moisés dar-lhe carta de divórcio, e repudiá-la? 8 Disse-lhes ele: Moisés, por causa da dureza dos vossos corações, vos permitiu repudiar vossas mulheres; mas ao princípio não foi assim. 9 Eu vos digo, porém, que qualquer que repudiar sua mulher, não sendo por causa de prostituição, e casar com outra, comete adultério; e o que casar com a repudiada também comete adultério.
3.1) Tanto em Mateus quanto em Marcos, os fariseus vêm a Jesus e o provam ao perguntá-lo se é lícito a um homem divorciar-se de sua esposa. Eles evidentemente tinham em mente a passagem em Deuteronômio 24.1, que simplesmente descreve o divórcio, ao invés de dar qualquer legislação a favor disto. Eles se perguntam como Jesus se posicionará a respeito desta passagem.
3.2) A resposta de Jesus é “Moisés, por causa da dureza dos vossos corações, vos permitiu repudiar vossas mulheres” (Mt 19.8)
3.3) Mas então Jesus critica a falha dos fariseus em reconhecer nos livros de Moisés a intenção original e mais profunda de Deus para o casamento. Então ele cita duas passagens de Gênesis. “Homem e mulher [Deus] os criou... Portanto deixará o homem o seu pai e a sua mãe, e apegar-se-á à sua mulher, e serão ambos uma carne.” (Gn 1.27; 2.24)
3.4) Destas passagens de Gênesis, Jesus conclui: “Assim não são mais dois, mas uma só carne”. E então, ele faz sua afirmação decisiva: “O que Deus ajuntou não o separe o homem”
3.5) A implicação é que Jesus rejeita o uso de Deuteronõmio 24.1 dos fariseus e apresenta o padrão de casamento para seus discípulos na intenção original de Deus na Criação. Ele diz que nenhum de nós deveria tentar desfazer a relação “uma só carne” que Deus uniu.
3.6) Antes de pularmos para a conclusão de que esta afirmação absoluta deveria ser qualificada em vista da cláusula de exceção (“não sendo por causa de prostituição”) mencionada em Mateus 19.9, devemos seriamente aceitar a possibilidade de que a cláusula de exceção em Mateus 19.9 deveria ser entendida à luz da afirmação absoluta de Mateus 19.6, (“não o separe o homem”), especialmente porque os versículos que seguem esta conversação com os fariseus em Marcos não contêm qualquer exceção quando condenam um novo casamento. Mais sobre isso abaixo.
4) Mateus 5.32 não ensina que o novo casamento é lícito em alguns casos. Pelo contrário, reafirma que casamento pós-divórcio é adultério, mesmo para aqueles que divorciaram-se inocentemente, e que um homem que divorcia-se de sua esposa é culpado de adultério do segundo casamento dela, a não ser que ela já tenha se tornado adúltera antes do divórcio.
Mateus 5.32: Eu, porém, vos digo que qualquer que repudiar sua mulher, a não ser por causa de prostituição, faz que ela cometa adultério, e qualquer que casar com a repudiada comete adultério.
4.1) Jesus assume que em muitas situações naquela cultura, a esposa que foi repudiada por um marido será encaminhada para um segundo casamento. No entanto, a despeito desta pressão, Jesus chama este segundo casamento de adultério.
4.2) O que chama atenção na primeira metade deste versículo é que o novo casamento de uma esposa que foi inocentemente repudiada é ainda assim um adultério: “qualquer que repudiar sua mulher, a não ser por causa de prostituição, faz que ela (a esposa inocente que não foi infiel) cometa adultério”. Esta é uma afirmação clara, como me parece, de que o novo casamento é errado não simplesmente quando uma pessoa é culpada no processo de divórcio, mas também quando uma pessoa é inocente. Em outras palavras, a oposição de Jesus ao novo casamento parece ser baseada na indestrutibilidade da união do casamento, a não ser pela morte.
4.3) Eu deixarei minha explanção da cláusula de exceção (“a não ser por causa de prostituição”) para mais adiante na declaração, mas por enquanto, é suficiente dizer, sobre a interpretação tradicional da cláusula, que simplesmente significa que um homem faz de sua esposa uma adúltera exceto no caso em que ela fez a si própria uma.
4.4) Eu assumo que, uma vez que uma esposa inocente que é divorciada comete adultério quando ela casa-se novamente, segue-se que uma esposa culpada que casa-se novamente após o divórcio torna-se muito mais culpada. Se alguém argumentar que esta esposa culpada é livre para casar-se novamente, enquanto a inocente que foi repudiada não é, já que o adultério da culpada quebrou o relacionamento de “uma só carne”, então esta pessoa deve colocar-se na inconveniente posição de dizer à divorciada inocente que “se agora você cometer adultério, será lícito você casar-se novamente”. Isto parece ser errado por pelo menos duas razões.
4.4.1) Isto parece elevar o ato físico de relação sexual ao elemento decisivo em união e separação conjugal.
4.4.2) Se a união sexual com outro quebra os laços de casamento e legitima o novo casamento, então dizer que uma divorciada inocente não pode casar-se novamente (como Jesus realmente diz) assume que o marido divorciado dela não está se divorciando para ter relações sexuais com outra. Isto signifca assumir uma postura muito improvável. Mais provável é que Jesus assuma que alguns desses maridos divorciados terão relações sexuais com outra mulher, mas ainda assim as esposas de quem eles se divorciaram não podem casar-se novamente. Portanto, adultério não anula o relacionamento de “uma só carne” do casamento, e tanto o cônjuge culpado quanto o inocente são proibidos de casar-se novamente em Mateus 5.32.
5) 1 Coríntios 7.10-11 ensina que o divórcio é errado, porém se é inevitável, a pessoa que se divorcia não deve casar-se novamente.
1 Coríntios 7.10-11: Todavia, aos casados mando, não eu mas o Senhor, que a mulher não se aparte do marido. 11 Se, porém, se apartar, que fique sem casar, ou que se reconcilie com o marido; e que o marido não deixe a mulher.
5.1) Quando Paulo diz que esta ordem não é sua, mas do Senhor, eu acredito que ele quer dizer que está ciente de um específico dito do Jesus histórico que trata desta questão. Como prova, estes versos parecem-se muito com Marcos 10.11-12, porque é destinado tanto ao marido quanto à esposa. Além disso, o novo casamento parece ser excluído do verso 11, da mesma forma que é excluído em Marcos 10.11-12
5.2) Paulo parece saber que a separação será inevitável em alguns casos. Talvez ele tenha em mente uma situação de um adultério sem arrependimento, ou deserção, ou brutalidade. Mas em um caso assim, ele diz que a pessoa que se sente constrangida à separar-se não deveria procurar um novo casamento e deveria permanecer solteira. E ele reforça a autoridade desta instrução ao dizer que ele tem uma palavra do Senhor. Portanto, a interpretação dos dizeres de Jesus é que um novo casamento não deve ser procurado.
5.3) Como em Lucas 16.18, Marcos 10.11-12 e Mateus 5.32, o texto não explicita consideração sobre a possibilidade de qualquer exceção à proibição do novo casamento.
6) 1 Coríntios 7.39 e Romanos 7.1-3 ensinam que o novo casamento é lícito somente depois da morte do cônjuge.
1 Coríntios 7.39: A mulher casada está ligada pela lei todo o tempo que o seu marido vive; mas, se falecer o seu marido fica livre para casar com quem quiser, contanto que seja no Senhor.
Romanos 7.1-3: Não sabeis vós, irmãos (pois que falo aos que sabem a lei), que a lei tem domínio sobre o homem por todo o tempo que vive? 2 Porque a mulher que está sujeita ao marido, enquanto ele viver, está-lhe ligada pela lei; mas, morto o marido, está livre da lei do marido. 3 De sorte que, vivendo o marido, será chamada adúltera se for de outro marido; mas, morto o marido, livre está da lei, e assim não será adúltera, se for de outro marido.
6.1) Em ambas as passagems (1 Coríntios 7.39; Romanos 7.2) é dito explicitamente que uma mulher está ligada ao marido enquanto ele viver. Nenhuma exceção é explicitamente mencionada que sugeriria que ela pudesse ser livre de seu marido e casar-se com outro usando outra base.
7) Mateus 19.10-12 ensina que uma graça cristã especial é dada por Deus a discípulos que sustentam-se na vida de solteiro, quando renunciam casar-se novamente de acordo com a lei de Cristo.
Mateus 19.10-12: Disseram-lhe seus discípulos: Se assim é a condição do homem relativamente à mulher, não convém casar. 11 Ele, porém, lhes disse: Nem todos podem receber esta palavra, mas só aqueles a quem foi concedido. 12 Porque há eunucos que assim nasceram do ventre da mãe; e há eunucos que foram castrados pelos homens; e há eunucos que se castraram a si mesmos, por causa do reino dos céus. Quem pode receber isto, receba-o.
7.1) Logo antes desta passagem, em Mateus 19.9, Jesus proibiu todos casamento após o divórcio (eu lidarei com o significado de “não sendo por causa de prostituição” abaixo). Isto pareceu como uma proibição intolerável aos discípulos de Jesus: se você fechar qualquer possibilidade de novo casamento, então você faz o casamento tão arriscado que seria melhor não casar-se, uma vez que ou você está “preso” a viver como um solteiro o resto de sua vida ou você estará “preso” em um casamento ruim.
7.2) Jesus não nega a tremenda dificuldade deste mandamento. Pelo contrário, ele diz no verso 11 que a capacidade de cumprir o mandamente de não casar-se novamente é um dom divino aos seus discípulos. Verso 12 é um argumento de que uma vida assim é de fato possível, porque existem pessoas que por amor ao Reino, e também por razões menores, dedicaram-se a si mesmas para viver uma vida de solteiro.
7.3) Jesus não está dizendo que alguns de seus discípulos têm a habilidade de obedecer este casamento de não casar-se novamente e outros não. Ele está dizendo que a marca de um discípulo é que eles receberão um dom de contigência, enquanto não-discípulos não. A evidência para isto é que 1) o paralelo entre Mateus 19.11 e 13.11; 2) O paralelo entre Mateus 19.12 e 13.9,43 e 11.15; e 3) o paralelo entre Mateus 19.11 e 19.26.
8) Deuteronômio 24.1-4 não legisla base para o divórcio, mas ensina que o relacionamento “uma só carne” estabelecido pelo casamento não é destruído pelo divórcio e mesmo pelo novo casamento.
Deuteronômio 24.1-4: Quando um homem tomar uma mulher e se casar com ela, então será que, se não achar graça em seus olhos, por nela encontrar coisa indecente, far-lhe-á uma carta de repúdio, e lha dará na sua mão, e a despedirá da sua casa. 2 Se ela, pois, saindo da sua casa, for e se casar com outro homem, 3 E este também a desprezar, e lhe fizer carta de repúdio, e lha der na sua mão, e a despedir da sua casa, ou se este último homem, que a tomou para si por mulher, vier a morrer, 4 Então seu primeiro marido, que a despediu, não poderá tornar a tomá-la, para que seja sua mulher, depois que foi contaminada; pois é abominação perante o Senhor; assim não farás pecar a terra que o Senhor teu Deus te dá por herança.
8.1) O que chama atenção nestes quatro versos é que, enquanto o divórcio é garantido, ainda assim a mulher divorciada torna-se “contaminada” por seu novo casamento (verso 4). Pode muito bem ser que, quando os fariseus perguntaram a Jesus se o divórcio era legítimo, ele baseou sua resposta negativa não somente na intenção de Deus expressa em Gênesis 1.27 e 2.24, mas também em Deuteronômio 24.4, em que o novo casamento pós-divórcio contamina a pessoa. Em outras palavras, existiam várias pistas na lei mosaica de que a concessão do divórcio era baseada na dureza do coração humano, e realmente não tornavam o divórcio e o novo casamento legítimos.
8.2) A proibição da esposa retornar ao seu primeiro marido mesmo depois que o segundo marido morrer (porque é uma abominação) sugere muito fortemente que nem o segundo casamento deveria ser rompido a fim de restaurar o primeiro (para a explanção de Heth e Wenham disto, veja Jesus and Divorce, p. 110).
9) 1 Coríntios 7.15 não quer dizer que, quando um cristão é abandonado por um cônjuge incrédulo, ele está livre para casar-se novamente. Significa que o cristão não está obrigado a lutar a fim de preservar a união. Separação é permissível se o parceiro incrédulo insiste nisso.
1 Coríntios 7.15: Mas, se o descrente se apartar, aparte-se; porque neste caso o irmão, ou irmã, não esta sujeito à servidão; mas Deus chamou-nos para a paz.
9.1) Existem muitas razões para que a frase “não está sujeito à servidão” não deveria ser construída para significar “é livre para casar-se novamente”
9.1.1) Casamento é uma ordenança da Criação ligando todas as criaturas humanas de Deus, a despeito de sua fé ou falta de fé
9.1.2) A palavra usada para “servidão” (douloo) no verso 15 não é a mesma palavra usada no verso 39, em que Paulo diz: “A mulher casada está ligada (deo) pela lei todo o tempo que o seu marido vive”. Paulo consistentemente usa deo quando fala do aspecto legal de ser ligado a um cônjuge (Romanos 7.2; 1 Coríntios 7.39), ou comprometido com alguém (1 Coríntios 7.27). Mas quando ele refere-se a uma esposa abandonada não estar ligada em 1 Coríntios 7.15, ele escolhe uma palavra diferente (douloo), que esperaríamos que ele fizesse já que ele não está dando a um cônjuge abandonado a mesma liberdade para casar-se novamente como ele dá ao cônjuge cujo parceiro morreu (verso 39).
9.1.3) A última frase do verso 15 (“Deus chamou-nos para a paz”) suporta o verso 15 melhor se Paulo está dizendo que um parceiro abandonado não é “obrigado a fazer guerra” contra o incrédulo desertor para que ele ou ela permaneça. Me parece que a paz que Deus tem nos chamado é a paz da harmonia matrimonial. Portanto, se o parceiro incrédulo insiste em afastar-se, então o parceiro crente não está obrigado a viver em conflito perpétuo com o cônjuge incrédulo, mas é livre e inocente para deixá-lo(a) partir.
9.1.4) Esta interpretação também preserva uma harmonia fiel com a intenção dos versos 10-11, em que a separação inevitável não resulta no direito de um novo casamento.
10) 1 Coríntios 7.27-28 não esina o direito das pessoas divorciadas a casarem-se novamente. Ensina que virgens noivos devem seriamente considerar a vida de solteiro, mas que eles não pecam se se casarem.
1 Coríntios 7.27-28: Estás ligado à mulher? não busques separar-te. Estás livre de mulher? não busques mulher. 28 Mas, se te casares, não pecas; e, se a virgem se casar, não peca. Todavia os tais terão tribulações na carne, e eu quereria poupar-vos.
10.1) Recentemente algumas pessoas têm argumentado que esta passagem lida com pessoas divorciadas, porque no verso 27 Paulo pergunta: “Estás livre de mulher?”. Alguns assumem que ele quer dizer “Estás divorciado?”. Portanto o que ele estaria dizendo no verso 28 é que não é pecado quando pessoas divorciadas casam-se novamente. Existem muitas razões para esta interpretação ser a mais improvável.
10.1.1) O verso 25 sinaliza que Paulo está começando uma nova seção e lidando com uma nova questão. Ele diz “Ora, quanto às virgens (ton parthenon) não tenho mandamento do Senhor; dou, porém, o meu parecer, como quem tem alcançado misericórdia do Senhor para ser fiel”. Ele já lidou com o problema das pessoas divorciadas nos versos 10-16. Agora ele toma uma nova questão, sobre aqueles que ainda não são casados, e ele sinaliza isso ao dizer “Ora, quanto às virgens”. Portanto, é muito improvável que as pessoas referidas nos versos 27 e 28 sejam as divorciadas.
10.1.2) Uma afirmação simples de que não é pecado para as pessoas divorciadas casarem-se novamente (verso 28) contradiz o verso 11, em que é dito que uma mulher que se separou de seu marido deveria permanecer solteira.
10.1.3) Verso 36 certamente está descrevendo a mesma situação em vista nos versos 27 e 28, mas claramente refere-se a um casal que ainda não é casado. “Mas, se alguém julga que trata indignamente a sua virgem, se tiver passado a flor da idade, e se for necessário, que faça o tal o que quiser; não peca; casem-se”. Isto é o mesmo do verso 28, em que Paulo diz “Mas, se te casares, não pecas”.
10.1.4) A referência no verso 27 a ser ligado à “mulher” pode ser mal-entendida porque pode sugerir que o homem já é casado. Mas no grego, a palavra para esposa é simplesmente “mulher” e pode referir-se tanto à noiva de um homem quanto à sua esposa. O contexto dita que a referência é à noiva virgem de um homem, não à sua esposa. Assim, “Estás ligado à mulher” e “Estás livre de mulher?” tem de fazer referência a uma pessoa que é noiva ou não.
10.1.5) É significante que o verbo que Paulo usa para “estás livre” (luo) não é uma palavra que ele usa para divórcio. As palavras de Paulo para divórcio são chorizo (versos 10,11,15; cf. Mateus 19.6) e aphelia (versos 11,12,13).
11) A cláusula de exceção de Mateus 19.9 não precisa implicar que o divórcio em caso de adultério libera uma pessoa a casar-se novamente. Todo o peso das evidências dadas pelo Novo Testamento nos dez pontos anteriores é contra esta visão, e existem várias formas de fazer um bom julgamento deste verso, de forma que ele não entre em conflito com o ensinamento geral do Novo Testamento de que um novo casamento após o divórcio está proibido.
Mateus 19.9: Eu vos digo, porém, que qualquer que repudiar sua mulher, não sendo por causa de prostituição, e casar com outra, comete adultério; e o que casar com a repudiada também comete adultério.
11.1) Há muitos anos atrás eu ensinei nossa congregação em dois cultos noturnos a respeito do meu entendimento deste verso e argumentei que “não sendo por causa de prostituição” não se refere ao adultério, mas à fornicação sexual antes do casamento que um homem ou uma mulher descobre no noivo. Desde que descobri outras pessoas que sustentam essa visão e que deram uma exposição muito mais acadêmica que eu fiz, tenho também descoberto numerosas outras formas de entender que este verso também exclui a legitimidade do novo casamento. Muitas delas estão sumarizadas em Jesus and Divorce, William Heth e Gordon J. Wenham (Nelson:1984).
11.2) Aqui eu simplesmente darei um resumo breve de meu próprio ponto de vista de Mateus 19.9 e como cheguei a ele.
Eu comecei, primeiramente, ao ser incomodado pela forma absoluta da denúncia de Jesus contra o divórcio e o novo casamento em Marcos 10.11,12 e Lucas 16.18 não está preservado em Mateus, se na verdade esta cláusula de exceção é uma brecha para o divórcio e novo casamento. Eu estava incomodado pela simples idéia que tantos escritores fazem, de que Mateus simplesmente está tornando explícito algo que era implicitamente entedido pelos ouvintes de Jesus ou os leitores de Marcos 10 e Lucas 16.
Eles realmente teriam assumido que as afirmações absolutas incluiam exceções? Eu duvido muito, e portanto minha inclinação é questionar se de fato ou não a exceção de Mateus conforma-se com o absoluto de Marcos e Lucas.
A segunda coisa que começou a me incomodar foi a questão – Por que Mateus usa a palavra porneia (“não sendo por causa de prostituição”) ao invés da palavra moicheia , que significa adultério? Quase todos os comentaristas parecem simplesmente presumir que porneia significa adultério neste contexto. A questão que persistia era por que Mateus não usaria a palavra para adultério, se isto fosse o que ele realmente queria dizer.
Então notei algo muito interessante. O único outro lugar, além de 5.32 e 19.9, em que Mateus usa a palavra porneia é em 15.19, onde é usada ao lado de moicheia . Portanto, é a evidência contextual primária para o uso de Mateus é que ele concebe porneia como algo diferente de adultério. Poderia isto significar, então, que Mateus concebe porneia em seu sentido normal de fornicação ou incesto (1 Coríntios 5.10), ao invés de adultério?
A. Isaksson concorda com esta visão de porneia e apresenta sua pesquisa, parecida com esta, nas páginas 134 e 135 de Marriage and Ministry :
Portanto, não podemos fugir do fato de que a distinção entre o que era considerado como porneia e o que era considerado como moicheia foi minuciosamente mantido na literatura judaica pré-cristã e no NT. Porneia pode, é claro, denotar diferentes formas de relações sexuais proibidas, mas não podemos encontrar exemplos inequívocos do uso desta palavra para denotar o adultério conjugal. Sob estas circunstâncias dificilmente poderíamos assumir que esta palavra significa adultério na cláusula em Mateus. A logia do divórcio foi escrita como um parágrafo da Lei, intentando ser obedecida pelos membros da Igreja. Debaixo destas circunstâncias é inconcebível que, em um texto desta natureza, o autor não tivesse mantido uma clara distinção entre o que era a falta de castidade e o que era adultério: moicheia e não porneia seria usada para descrever o adultério da esposa. Do ponto de vista filológico existem argumentos fortíssimos contra esta interpretação da cláusula permitindo divórcio no caso da esposa ser culpada de adultério.
A próxima pista de minha busca por uma explicação veio quando estudei sobre o uso de porneia em João 8.41, em que os líderes judeus indiretamente acusam Jesus de ser nascido de porneia . Em outras palavras, uma vez que eles não aceitava o nascimento virginal, assumem que Maria havia cometido fornicação, e Jesus era resultado deste ato. Com base nesta pista, eu voltei para estudar o registro de Mateus do nascimento de Jesus em Mateus 1.18-20. Isto foi extremamente elucidador.
Nesses versos, José e Maria são referidos como marido ( aner ) e esposa ( gunaika ). Ainda assim, eles são descritos como noivos somente. Isto provavelmente vem do fato de que as palavras para marido e esposa eram simplesmentem homem e mulher, e do fato de que o noivado era um comprometimento muito mais significante do que é hoje. No verso 19, José resolve “divorciar-se” de Maria. A palavra para “deixá-la” é a mesma palavra de Mateus 5.32 e 19.9. Mas, mais importante que tudo, Mateus diz que José foi “justo” ao tomar a decisão de divorciar-se de Maria, presumivelmente por causa de porneia , fornicação.
Portanto, enquanto Mateus procede em construir a narrativa de seu Evangelho, ele encontra-se no capítulo 5 e depois no capítulo 19 precisando proibir todo casamento pós-divórcio (como ensinado por Jesus) e ainda permitir “divórcios” como aquele que José considerou como possibilidade, por pensar que sua noiva era culpada de fornicação ( porneia ). Assim, Mateus inclui a cláusula de exceção em particular para exonerar José, mas também no geral para apresentar que o tipo de “divórcio” que alguém talvez procure durante um noivado por causa de fornicação não está incluído na proibição absoluta de Jesus.
Uma objeção comum a esta interpretação é que em Mateus 19.3-8 e Mateus 5.31-32, a questão que Jesus responde é sobre casamento e não sobre noivado. O argumento é que “não sendo por causa de prostituição” é irrelevante no contexto do casamento.
Minha resposta é que esta irrelevância é simplesmente o ponto aonde Mateus quer chegar. Podemos ter por certo que o rompimento de um casal de noivos por causa de fornicação não é um “divórcio” ruim e não proibe um outro casamento. Mas não podemos assumir que os leitores de Mateus tinham isso por certo
Mesmo em Mateus 5.32, que parece sem importância para nós excluir o caso da fornicação (uma vez que não podemos ver como uma virgem noiva poderia ser feita adúltera), isto poderia não ser inútil para os leitores de Mateus. Na verdade, não deveria ser sem importância para nenhum leitor: se Jesus tivesse dito “todo homem que se divorciar de sua mulher faz dela uma adúltera”, um leitor legitimamente poderia perguntar “Então José estava pra fazer de Maria uma adúltera?”. Podemos dizer que esta questão não é razoável, uma vez que acreditamos que você não pode fazer mulheres solteiras serem adúlteras. Mas, certamente isto não é sem propósito ou, talvez para alguns leitores, inútil, pois Mateus fez explícita a óbvia exclusão do caso de fornicação durante o noivado.
Esta interpretação da cláusula de exceção tem sérias vantagens:
1. Não força Mateus a contradizer o significado claro e absoluto de Marcos e Lucas, e o inteiro ensinamento do Novo Testamento apresentado nas seções 1-10, incluindo o próprio ensinamento absoluto de Mateus em 19.3-8
2. Provê uma explicação de por que a palavra porneia é usada na cláusula de exceção de Mateus ao invés de moicheia .
3. Concorda com o uso do próprio Mateus de porneia para fornicação em Mateus 15.19
4. Encaixa-se com a necessidade do contexto maior de Mateus a respeito de José considerar o divórcio
Desde a primeira vez que escrevi esta exposição de Mateus 19.9 descobri um capítulo com esta visão em Heth e Wenham, Jesus and Divorce , e uma defesa acadêmcia disto em A. Isaksson, Marriage and Ministry in New Temple (1965).
Conclusão e Aplicação
No Novo Testamento, a questão sobre o novo casamento pós-divórcio não é determinada por:
1. A culpa ou inocência de qualquer cônjuge
2. Nem se qualquer cônjuge é crente ou não
3. Nem pelo caso do divórcio ter acontecido antes ou depois da conversão de qualquer dos cônjuges
4. Nem pela facilidade ou dificuldade de viver como solteiro pelo resto da vida na Terra
5. Nem se há adultério ou deserção envolvidos
6. Nem pela realidade da dureza do coração humano
7. Nem por permissividade cultural da sociedade em redor
Pelo contrário, é determinado pelo fato de que:
1. Casamento é um relacionamento de “uma só carne” estabelecido por Deus e de extraordinária significância aos olhos de Deus (Gênesis 2.24; Mateus 19.5; Marcos 10.8)
2. Somente Deus, não o homem, pode terminar esta relação de “uma só carne” (Mateus 19.6; Marcos 10.9 – isto é porque o novo casamento é chamado de adultério por Jesus: ele assume que o primeiro casamento ainda está valendo, Mateus 5.32; Lucas 16.18; Marcos 10.11)
3. Deus termina o relacionamento de “uma só carne” somente por meio da morte de um dos cônjuges (Romanos 7.1-3; 1 Coríntios 7.39)
4. A graça e o poder de Deus são prometidos e são suficientes para capacitar um cristão divorciado e fiel a ser solteiro por toda sua vida terrena, se necessário (Mateus 19.10-12,26; 1 Coríntios 10.13)
5. Frustrações temporárias e desvantagens são muito mais preferíveis que a desobediência do novo casamento, e produzirá profunda e duradoura alegria tanto nesta vida como na vida porvir.
Aos que já casaram-se novamente:
1. Devem reconhecer que a escolha de casar-se de novo e o ato de entrar em um segundo casamento foi um pecado, confessá-lo como tal e buscar perdão
2. Devem não tentar retornar ao seu primeiro parceiro após entrar numa segunda união (veja 8.2 acima)
3. Devem não se separar e viver como solteiros pensando que isto resultaria em menos pecado porque todas as suas relações sexuais são adultério. A Bíblia não dá prescrições para este caso particular, mas trata o segundo casamento como tendo significância aos olhos de Deus.Isto é, existem promessas feitas e uma união foi formada. Não deveria ter sido formada, mas foi. Isto não deve ser tomado levianamente. Promessas existem para serem mantidas, e a união deve ser santificada a Deus. Embora não seja o estado ideal, permanecer em um segundo casamento é a vontade de Deus para um casal e suas relações seguintes não devem ser vistas como adúlteras.
21 de Julho de 1986
Nota: Os leitores desta declaração devem ter certeza de consultarem a declaração oficial do Concílio de Diáconos da Igreja Batista Bethlehem, intitulado A Statement on Divorce and Remarriage in the Life of Bethlehem Baptist Church. Este documento, datado de 2 de maio de 1989, apresenta a posição sobre divórcio e novo casamento que guiará a igreja em questões de membresia e disciplina. A declaração que você tem em mãos NÃO é a posição oficial da igreja sobre divórcio e novo casamento. É o meu próprio entendimento das Escrituras e portanto as linhas-mestras para minha própria vida, ensinamentos e envolvimento ministerial em casamentos. Mas eu pretendo respeitar a declaração oficial (cujo primeiro rascunho foi escrito por mim mesmo) como nosso guia em questões de membresia e disciplina. Eu faço esta declaração acessível para que a base de certas afirmações da declaração oficial possam ser facilmente obtidas.


Traduzido por: Josaías CardosoAgradecemos ao tradutor, que gentilmente se dispôs a traduzir esse artigo para o site Monergismo.com. e que publicamos em nosso blog por ser edificante como também é autorizado

quinta-feira, 16 de julho de 2009

A Morte de Calvino



por Manoel Canuto

No dia 30 de abril, o Pequeno Conselho, togados e em cortejo solene, veio à Rua do Canhão, agrupando-se ao redor do leito de Calvino. Calvino novamente agradeceu-lhes por todas as suas demonstrações de bondade. Pediu-lhes perdão pelos seus momentos de raiva e pelos outros pecados cometidos durante os anos em que tinha servido. Aconselhou-os, advertindo e encorajando-os. “Lembrai-vos sempre”, falou-lhes, “que é Deus somente que dá forças a estados e cidades”. Orou ardentemente pelos Conselhos e pela cidade. Deu a cada homem a destra de despedida. Os homens saíram do quarto, chorando “como se tivessem recebido a derradeira bênção de um pai”.
Os ministros vieram no dia seguinte. Calvino conseguiu encontrar força suficiente para falar-lhes também, e por longo tempo. Fazia reminiscências. Podia ainda sentir os cães nos seus calcanhares, latindo e mordendo sua toga e pernas, atiçados por cidadãos inconformados. Podia ouvir os tiros de quarenta ou cinquenta trabucos descarregados sob sua janela antes da sua viagem para o exílio. E a cena no pátio do prédio dos conselhos quando os Duzentos tiveram um entrevero — tal acontecimento foi também revivido por Calvino. “Tereis dificuldades, também, quando Deus me chamar”, advertiu aos pastores. “Mas tende coragem… porquanto Deus usará esta igreja e a manterá, e vos promete que Ele a protegerá”.
“Meus pecados sempre me desgostaram… Rogo-vos, que me perdoeis o mal, e se porventura tenha havido algum bem… fazei dele um exemplo”. Quanto à minha doutrina, “Ensinei com fidelidade, e Deus deu-me a graça de escrever… tão fielmente quanto estava em meu poder”. “Vivi nesta doutrina e nela quero morrer. Perseverai nela, todos vós”. “Amai-vos uns aos outros. Que não haja inveja”.
Houve novamente o aperto de mão para todos. E outra vez a fila de homens em pranto saindo para a Rua do Canhão.
Havia uma mensagem. A quem não senão Farel, o amigo de muitos anos. Farel queria vir. Calvino pensou na velhice do seu amigo e desejava poupar-lhe a viagem de Neuchâtel. “Adeus, bom e querido irmão”, escreveu seu irmão Antoine colocando no papel as palavras. “E por que Deus quer que V. seja o sobrevivente, lembre a nossa amizade, a qual tem sido útil para a igreja de Deus, e cujos frutos nos aguardam no céu. Não se canse em vir até mim. Já estou respirando com dificuldade, e espero a cada hora que o fôlego me falhe de uma vez. Basta que eu viva e morra para Cristo, que é a recompensa para aqueles que são d’Ele, na vida e na morte. Entrego-o, e os irmãos que estão com V., aos cuidados de Deus. Fielmente João Calvino”.
Mas Farel veio assim mesmo, e sentou-se junto ao leito daquele a quem ordenara ficar em Genebra vinte e oito anos atrás. Os dois amigos conversaram. E o velho Farel, com setenta e cinco anos de idade, voltou então para sua casa, caminhando como tinha vindo. Viveria mais um ano antes de unir-se ao seu amigo.
Calvino viveu até o dia 27 de maio. Orava continuamente, em voz alta ou silenciosamente, movimentava os lábios. Nos estertores, atribulado pela dor, clamava com frequência: “Por quanto tempo, Ó Senhor?”. Ou: “Senhor, Tu me esmagas, mas eu me conformo de que seja a Tua mão”.
Morreu em paz, como alguém que pega no sono. Numa noite de sábado — o fim do dia, o fim da semana, o fim de uma vida. Um grande servo estava agora com o seu Mestre.
Ao ouvir a notícia, o povo de Genebra juntou-se silenciosamente do lado de fora da casa da Rua do Canhão. O Pequeno Conselho reuniu-se em sessão especial. O secretário, tentando registrar os sentimentos dos conselheiros, escreveu com sua pena: “Deus o marcou com um caráter de tanta majestade e altivez”. Nas atas do Conselho da igreja, ao lado do nome de Calvino que estava marcado com uma cruz, havia estas palavras: “Levado por Deus, no dia 27 de maio do ano corrente (1564), entre oito e nove horas da noite”.
Na tarde de domingo, às duas horas, o cortejo foi ao campo-santo da igreja, o cemitério Planin-Palais fora dos muros da cidade. Professores, ministros, conselheiros, e cidadãos estavam na grande multidão que seguia o ataúde de pinho. Somente o som de muitos passos interrompiam a quietude dominical.
Calvino tinha pedido no seu testamento que “meu corpo… seja enterrado na maneira usual, para aguardar o dia da abençoada ressurreição”. Não houve, por conseguinte, palavras junto à sepultura. Nenhuma pedra foi colocada para marcar o lugar. Em pouco tempo ninguém sabia onde jazia o corpo de Calvino. A sepultura continua desconhecida até hoje.
Mas algo maior, alguma coisa viva restou. As idéias e obras do homem de Genebra continuam poderosamente vivas através dos séculos. Inspiradas pela Palavra viva, elas penetraram em todo o mundo cristão. Por intermédio delas o pregador de Saint Pierre tem ensinado e moldado a igreja de Cristo. Ele tem falado nas vidas de homens e de nações.
João Calvino era assim, extraordinário servo de Jesus Cristo. Era assim o homem humilde que viveu sob um lema. Soli Deo Gloria, dizia. Glória somente a Deus.

Extraído do livro João Calvino Era Assim (edição de 1968, pgs 198-206) que será publicado pela Editora Os Puritanos em 2009.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

A Visão missionária do reformador João Calvino


pelo
Rev. José Roberto de Souza[1]

Não podemos negar que a maioria das pessoas, naturalmente, não tem muita simpatia em estudar história. Conseqüentemente desconhecem o passado, bem como de pessoas importantes, as quais deveriam ser sempre lembradas. Digo lembradas, e não veneradas, nem tão pouco cultuadas. Se não tivermos tais cuidados poderemos cair no erro de muitos, pois, “os admiradores criam mitos, e os críticos buscam defeitos” (SILVA: 2002, pp. 85-86). Fica fácil percebermos essa afirmação quando, muitas vezes, essas mesmas pessoas resolvem opinar sobre o que elas tão pouco conhecem. No máximo o que sabem, é fruto de opiniões de terceiros. Infelizmente, no meio evangélico não tem sido diferente. Nesse sentido, muitos têm posições sobre determinados assuntos ou pessoas quando nunca leram sobre esses assuntos, nem tão pouco conhece profundamente essas pessoas as quais são citadas, exemplo é a visão que muitos têm a respeito do reformador João Calvino, como bem observa Silvestre: “Há seguidores de Calvino que se negam a uma leitura mais acurada de seus escritos” (SILVESTRE: p. 216). O saldo disso é que criam uma imagem caricata do reformador.
O reformador João Calvino, mesmo estando próximo da celebração dos 500 anos do seu nascimento(10.07.1509 – 27.05.1564), continua sendo lembrando[2], citado[3], mas, contudo, não faltam opiniões a seu respeito. “Existem muitos retratos contraditórios de Calvino.” (SILVESTRE: 2002, p. 75). “Poucas pessoas na história do cristianismo têm sido tão supremamente estimadas ou tão mesquinhamente desprezadas quanto João Calvino. A maioria dos cristãos, dentre a qual grande parte dos protestantes, conhece apenas dois aspectos a respeito dele: acreditava na predestinação e ordenou que Serveto fosse queimado vivo” (GEORGE: p.167). É certo que essa injustiça cometida ao reformador Calvino, não é nenhuma novidade, pois o seu próprio amigo, já denunciava esse erro: “O próprio Beza dizia que era mais fácil caluniar Calvino do que o imitar.” (FERREIRA: p. 217).
Relembrando um pouco o contexto histórico de Calvino: Foi “reformador da segunda geração. Quando nasceu, na França setentrional, em 1509, Lutero já estava dando conferência na Universidade de Enfurt (...). Os dois reformadores nunca se encontraram pessoalmente. Ainda assim, Lutero elogiou alguns dos primeiros escritos de Calvino que lhes haviam sido enviados.” (GEORGE: pp.165-164). “Calvino, não menos que Lutero e Zuinglio, teve uma formação católica tradicional e deve ter conhecido a sensação de ansiedade e opressão que caracterizava a cultura da baixa Idade Média.” (GEORGE: pp. 171-172).
Como escritor “João Calvino foi incansável. Foi autor não somente das famosas Institutas, mas também de comentários de quase todos os livros da Bíblia, bem como de centenas de cartas e sermões.” (BARRO: p. 42). “O gênio de Calvino era mais para organização do que para especulação teológica.” (BETTENSON: 1998, p. 320). As Institutas da Religião “é a mais influente declaração da teologia reformada em particular e da teologia protestante em geral. É também um marco literário. Calvino escreveu como um mestre da língua latina e foi o primeiro grande teólogo a usar o francês para escrever teologia. “Deliberadamente, ele preferiu utilizar a linguagem comum no lugar do vocabulário dos teólogos escolásticos.” (LEITH: pp. 182-183).
Calvino deixou um legado literário incomparável. Escreveu comentários bíblicos, sermões, folhetos, tratados, cartas, estudos litúrgicos e catequéticos. “Durante sua vida, Calvino escreveu mais do que a maioria das pessoas é capaz de ler.” (GEORGE: p. 188). Como pregador Calvino foi “mestre numa época em que o púlpito era o principal meio de comunicação para uma cultura inteira (...). Calvino pregava duas vezes aos domingos e uma vez por dia em semanas alternadas. Seus sermões eram anotados à mão por diversos fiéis franceses refugiados.” (GEORGE: p. 187). “Verifica-se nos sermões de Calvino uma combinação admirável do teólogo, exegeta e pastor (...).” (FERREIRA: 1990, p. 162).
Uma particularidade pouco conhecida da vida desse reformador é a sua visão concernente a obra missionária. O resultado, não poderia ser diferente: uma visão equivocada, pois “freqüentemente tem sido acusado por muitos historiadores de ter sido inoperante quanto ao mandato missionário dado à igreja de fazer discípulos de todas as nações.” (BARRO: p. 38). Todavia, o que poucos sabem é que, “o pensamento de que Calvino e os outros reformadores não possuíam nenhuma consciência missionária teve inicio entre os católicos romanos, com o propósito de enfraquecer o movimento reformador ante a opinião pública da época.” (BARRO: 1998, p. 39). Infelizmente essa visão equivocada tem sido repetida, não mais só entre os católicos, mas, por muitos que afirmam ser reformados calvinistas. “É certo que Calvino não escreveu, entre os seus muitos livros, nenhum tratado missiológico, mas também é certo que ninguém virá a encontrar algo que tenha escrito contra a idéia de missões. O ponto que queremos ressaltar aqui é que se Calvino não escreveu sobre missões, isso não é motivo suficiente para afirmar que ele não reconheceu a dimensão missionária da igreja.” (BARRO: p. 40). Um detalhe que muitos esquecem é que, “(...) os reformadores são julgados nos padrões do que se entende por missões atualmente (...). Zwemer está certo quando afirma que: João Calvino viveu no século XVI e não no século XIX. Nós não podemos esperar que ele tivesse uma visão mundial como aquela encontrada em William Carey.” (BARRO: p. 42). Sem falar que, se pegarmos o modelo missionário de William Carey, Hudson Taylor e tantos outros, não têm como negar que, muito do que esses servos de Deus fizeram, com a melhor das intenções, erros também foram cometidos.
E mesmo que Calvino não tenha escrito, especificamente sobre missões, encontramos elementos que ratificam que ele teve uma visão, uma preocupação e atitude missionária. “Um estudo sobre oitenta e oito agentes enviados em 105 missões durante o período de 1555 e 1563 fornece importantes impressões a respeito dos sucessos iniciais do Calvinismo.” (MCGRATH: 2004, p. 213). “Calvino assegurou que Genebra fosse um local de refúgio para aqueles que possuíam idéias reformistas. Durante o seu período de exílio, esses refugiados freqüentemente absorviam a perspectiva de Calvino e, ao retornarem aos seus países de origem, continuavam a propagar o Calvinismo.” (MCGRATH: p. 227). “Calvino queria fazer de Genebra o modelo de uma perfeita comunidade cristã. Sua posição estritamente evangélica atraiu grande número de refugiados, muitos deles pessoas de posição, cultas e ricas, mormente da França, mas também da Itália, Países Baixos, Escócia e Inglaterra. Logo se tornaram elas fatores de muita importância na vida genebrina. O próprio Calvino e todos os ministros a eles associados eram estrangeiros.” (WALKER: 1983, p. 77).
Nas próprias cartas que eram endereçadas a Calvino, e as que ele remetia, o conteúdo nos impressiona, pois podemos perceber “o tremendo fardo que pesava sobre os seus ombros. Em carta escrita a Sulcer ele diz: Em todas as partes da França, os irmãos estão implorando a nossa assistência. De todas as partes surgiram cartas solicitando a Calvino que providenciasse pastores e ele sempre procurava um modo de atender a esses apelos.” (BARRO: p. 43). “Epistológrafo copioso, muitas pessoas da Europa e das ilhas britânicas lhe pediam conselhos. Suas cartas, com outros escritos, integram 57 volumes do Corpus Reformatorum, e existem 2000 de seus sermões.” (CAIRNS: 2004, p. 254).
Nos seus comentários, notamos também, a sua preocupação com a obra missionária, “com respeito à Grande Comissão, Calvino menciona: O Senhor ordena aos ministros do evangelho que preguem em lugares distantes, com o propósito de espalhar a salvação em cada parte do mundo. Mais de uma vez ele afirmou esta convicção. Quando comenta I Tm. 2:4 ele declara: Nenhuma nação da terra e nenhum segmento da sociedade estão excluídos da salvação, porque Deus deseja oferecer o evangelho a todos e sem nenhuma exceção. Quando nos familiarizamos com a teologia de Calvino, podemos concluir com certeza que ele entendia perfeitamente que Cristo era a única esperança para a humanidade.” (BARRO: p. 43). Esse detalhe é significante, pois, mostra que, mesmo que Calvino cresce e pregasse a respeito da eleição divina, ele também cria que a pregação do evangelho era o meio dos eleitos serem alcançados. Como bem podemos perceber, “quando lemos as suas cartas e os comentários bíblicos por ele produzidos, encontramos neles uma preocupação com a divulgação do evangelho e com a falta de pastores para as igrejas da época” (BARRO: p. 42).
Calvino não perdia tempo para com a propagação do Reino de Deus. “Por causa das circunstâncias da sua permanência em Genebra, Calvino fez uso de outros elementos para divulgar a fé cristã. Um destes foi a imprensa, que veio a se tornar o principal meio de comunicação nas mãos do reformador. Em 1557 ele permitiu que os seus sermões fossem impressos. Rapidamente eles foram traduzidos para várias línguas como o alemão, latim, francês, italiano, tcheco, inglês, espanhol, holandês e até mesmo o grego.” (BARRO: p. 44). “Segundo uma lista preparada pelo Almirante de Coligny em março de 1562, havia na França, àquela altura, 2.150 igrejas de huguenotes. É complicado confirmar esses números; porém, seria razoável sugerir que havia, pelo menos, 1.250 dessas igrejas, com uma membresia total de mais de dois milhões, dentre uma população nacional de 20 milhões de habitantes” (MCGRATH: pp. 221-222).
Gostaria de conclui esse artigo relembrando um evento histórico mais próximo de nós: Refiro-me a história do protestantismo brasileiro. Pois, ainda no período do Brasil Colonial (1500-1822), e apesar de tão pouco tempo do “descobrimento” do Brasil, e mesmo com uma tremenda investida por parte da Igreja Católica Apostólica Romana, através da Contra-Reforma _ movimento católico que tinha como objetivo inibir o avanço da Reforma Protestante _, isso não foi suficiente para impedir que a fé reformada por aqui chegasse. A tão conhecida França Antártica (1555-67) chegou ao Brasil, “no dia 10 de novembro de 1555 chegaram à Baía de Guanabara, três navios com 600 tripulantes e passageiros, tendo no comando o navegador e aventureiro Nicolau Durant de Villegaignon (pelo seu procedimento de traição para com os huguenotes, ficou conhecido como o Caim da América), de 45 anos, ora católico ora protestante (...). No dia 7 de março de 1557, um ano e três meses depois da primeira expedição, chegou à segunda leva de franceses: cerca de 300 colonos, católicos e sem religião em sua maioria. Com eles vieram quartoze huguenotes de Genebra, enviados por João Calvino _ o qual foi comunicado do pedido pelo chefe dos huguenotes o almirante Gaspar de Coligny_ (...). No dia 10 de março realizou-se o primeiro culto reformado (...). Onze dias depois, 21 de março foi organizada a primeira Igreja Evangélica no Brasil e da América do Sul.” (CÉSAR: 2000, pp. 37-38)[4]. Tenho plena convicção que, o artigo contempla apenas uma síntese raquítica, do que de fato foi a ação missionária do reformador João Calvino. Porém, mesmo assim, quero correr o risco, deixando uma indagação: Se Calvino não teve uma visão missionária (como afirmam alguns), fez o que fez, imaginemos se ele então tivesse tido.



BIBLIOGRAFIA:
BARRO, Antônio Carlos. A consciência missionária de Calvino. In: Revista Fides Reformata, v.3, no 1, Jan-Jun 1998.
BETTENSON, H. Documentos da Igreja Cristã. São Paulo: ASTE, 1998.
CAIRNS, Earle E. O Cristianismo Através dos Séculos – uma história da igreja cristã. São Paulo: Vida Nova, 1995.
CÉSAR, Elben M. Lenz, História da Evangelização do Brasil, 2000
FERREIRA, Wilson Castro, Calvino: Vida, Influência e Teologia, LPC, 1990
GEORGE, Timothy, Teologia dos Reformadores, São Paulo, Vida Nova, 1994.
LEITH, J. H. A Tradição Reformada: Uma Maneira de Ver a Comunidade Cristã. São Paulo: Pendão Real, 1996.
MCGRATH, A vida de João Calvino, São Paulo, Cultura Cristã, 2004.
SILVA, Jouberto Henriger, A Música na Liturgia de Calvino em Genebra In: Revista Fides Reformata, v.7, nº 2, Jul-Dez 2002.
SILVESTRE, Armando Araújo, Calvino e a Resistência ao Estado, Mackenzie, São Paulo2002.
WALKER, História da Igreja Cristã, Rio de Janeiro: JUERP e ASTE, 1983.
[1] Rev. José Roberto de Souza é Pastor da I. P. do Ibura – UR 1 (Recife-PE); Professor e Coord. do Deptº de História da Igreja no Seminário Presbiteriano do Norte (SPN); Especialista em História da Religião e da Arte (UFRPE) ; Mestrando em Teologia e História. E-mail-: revjoseroberto@gmail.com
[2] Ver as inúmeras homenagens que estão sendo feitas ao Reformador João Calvino pela celebração dos 500 anos do seu nascimento: http://www.ipib.org/especiais/calvino09.
[3] A Editora Cultura Cristã lançou recentemente o livro: As Cartas de João Calvino – Celebrando os 500 anos de nascimento do Reformador de Genebra.
[4] Para melhor compreensão desse período, e o conhecimento final dessa história, ver os livros: A Tragédia da Guanabara de Jean Crespin, e Viagem à Terra do Brasil de autoria de Jean de Léry. Léry foi um dos integrantes da comitiva que chegou em 1557 trazendo os calvinistas solicitados por Villegaignon. Ainda durante o período do Brasil Colônia, tivemos a segunda tentativa de implantação da fé reformada calvinista, através dos holandeses (1630-54). Especificamente com Mauricio de Nassau. Para melhor conhecimento desse período, ver a obra do Rev. Frans Leonard, Igreja e Estado no Brasil Holandês.