pelo
Rev. José Roberto de Souza[1]
Não podemos negar que a maioria das pessoas, naturalmente, não tem muita simpatia em estudar história. Conseqüentemente desconhecem o passado, bem como de pessoas importantes, as quais deveriam ser sempre lembradas. Digo lembradas, e não veneradas, nem tão pouco cultuadas. Se não tivermos tais cuidados poderemos cair no erro de muitos, pois, “os admiradores criam mitos, e os críticos buscam defeitos” (SILVA: 2002, pp. 85-86). Fica fácil percebermos essa afirmação quando, muitas vezes, essas mesmas pessoas resolvem opinar sobre o que elas tão pouco conhecem. No máximo o que sabem, é fruto de opiniões de terceiros. Infelizmente, no meio evangélico não tem sido diferente. Nesse sentido, muitos têm posições sobre determinados assuntos ou pessoas quando nunca leram sobre esses assuntos, nem tão pouco conhece profundamente essas pessoas as quais são citadas, exemplo é a visão que muitos têm a respeito do reformador João Calvino, como bem observa Silvestre: “Há seguidores de Calvino que se negam a uma leitura mais acurada de seus escritos” (SILVESTRE: p. 216). O saldo disso é que criam uma imagem caricata do reformador.
O reformador João Calvino, mesmo estando próximo da celebração dos 500 anos do seu nascimento(10.07.1509 – 27.05.1564), continua sendo lembrando[2], citado[3], mas, contudo, não faltam opiniões a seu respeito. “Existem muitos retratos contraditórios de Calvino.” (SILVESTRE: 2002, p. 75). “Poucas pessoas na história do cristianismo têm sido tão supremamente estimadas ou tão mesquinhamente desprezadas quanto João Calvino. A maioria dos cristãos, dentre a qual grande parte dos protestantes, conhece apenas dois aspectos a respeito dele: acreditava na predestinação e ordenou que Serveto fosse queimado vivo” (GEORGE: p.167). É certo que essa injustiça cometida ao reformador Calvino, não é nenhuma novidade, pois o seu próprio amigo, já denunciava esse erro: “O próprio Beza dizia que era mais fácil caluniar Calvino do que o imitar.” (FERREIRA: p. 217).
Relembrando um pouco o contexto histórico de Calvino: Foi “reformador da segunda geração. Quando nasceu, na França setentrional, em 1509, Lutero já estava dando conferência na Universidade de Enfurt (...). Os dois reformadores nunca se encontraram pessoalmente. Ainda assim, Lutero elogiou alguns dos primeiros escritos de Calvino que lhes haviam sido enviados.” (GEORGE: pp.165-164). “Calvino, não menos que Lutero e Zuinglio, teve uma formação católica tradicional e deve ter conhecido a sensação de ansiedade e opressão que caracterizava a cultura da baixa Idade Média.” (GEORGE: pp. 171-172).
Como escritor “João Calvino foi incansável. Foi autor não somente das famosas Institutas, mas também de comentários de quase todos os livros da Bíblia, bem como de centenas de cartas e sermões.” (BARRO: p. 42). “O gênio de Calvino era mais para organização do que para especulação teológica.” (BETTENSON: 1998, p. 320). As Institutas da Religião “é a mais influente declaração da teologia reformada em particular e da teologia protestante em geral. É também um marco literário. Calvino escreveu como um mestre da língua latina e foi o primeiro grande teólogo a usar o francês para escrever teologia. “Deliberadamente, ele preferiu utilizar a linguagem comum no lugar do vocabulário dos teólogos escolásticos.” (LEITH: pp. 182-183).
Calvino deixou um legado literário incomparável. Escreveu comentários bíblicos, sermões, folhetos, tratados, cartas, estudos litúrgicos e catequéticos. “Durante sua vida, Calvino escreveu mais do que a maioria das pessoas é capaz de ler.” (GEORGE: p. 188). Como pregador Calvino foi “mestre numa época em que o púlpito era o principal meio de comunicação para uma cultura inteira (...). Calvino pregava duas vezes aos domingos e uma vez por dia em semanas alternadas. Seus sermões eram anotados à mão por diversos fiéis franceses refugiados.” (GEORGE: p. 187). “Verifica-se nos sermões de Calvino uma combinação admirável do teólogo, exegeta e pastor (...).” (FERREIRA: 1990, p. 162).
Uma particularidade pouco conhecida da vida desse reformador é a sua visão concernente a obra missionária. O resultado, não poderia ser diferente: uma visão equivocada, pois “freqüentemente tem sido acusado por muitos historiadores de ter sido inoperante quanto ao mandato missionário dado à igreja de fazer discípulos de todas as nações.” (BARRO: p. 38). Todavia, o que poucos sabem é que, “o pensamento de que Calvino e os outros reformadores não possuíam nenhuma consciência missionária teve inicio entre os católicos romanos, com o propósito de enfraquecer o movimento reformador ante a opinião pública da época.” (BARRO: 1998, p. 39). Infelizmente essa visão equivocada tem sido repetida, não mais só entre os católicos, mas, por muitos que afirmam ser reformados calvinistas. “É certo que Calvino não escreveu, entre os seus muitos livros, nenhum tratado missiológico, mas também é certo que ninguém virá a encontrar algo que tenha escrito contra a idéia de missões. O ponto que queremos ressaltar aqui é que se Calvino não escreveu sobre missões, isso não é motivo suficiente para afirmar que ele não reconheceu a dimensão missionária da igreja.” (BARRO: p. 40). Um detalhe que muitos esquecem é que, “(...) os reformadores são julgados nos padrões do que se entende por missões atualmente (...). Zwemer está certo quando afirma que: João Calvino viveu no século XVI e não no século XIX. Nós não podemos esperar que ele tivesse uma visão mundial como aquela encontrada em William Carey.” (BARRO: p. 42). Sem falar que, se pegarmos o modelo missionário de William Carey, Hudson Taylor e tantos outros, não têm como negar que, muito do que esses servos de Deus fizeram, com a melhor das intenções, erros também foram cometidos.
E mesmo que Calvino não tenha escrito, especificamente sobre missões, encontramos elementos que ratificam que ele teve uma visão, uma preocupação e atitude missionária. “Um estudo sobre oitenta e oito agentes enviados em 105 missões durante o período de 1555 e 1563 fornece importantes impressões a respeito dos sucessos iniciais do Calvinismo.” (MCGRATH: 2004, p. 213). “Calvino assegurou que Genebra fosse um local de refúgio para aqueles que possuíam idéias reformistas. Durante o seu período de exílio, esses refugiados freqüentemente absorviam a perspectiva de Calvino e, ao retornarem aos seus países de origem, continuavam a propagar o Calvinismo.” (MCGRATH: p. 227). “Calvino queria fazer de Genebra o modelo de uma perfeita comunidade cristã. Sua posição estritamente evangélica atraiu grande número de refugiados, muitos deles pessoas de posição, cultas e ricas, mormente da França, mas também da Itália, Países Baixos, Escócia e Inglaterra. Logo se tornaram elas fatores de muita importância na vida genebrina. O próprio Calvino e todos os ministros a eles associados eram estrangeiros.” (WALKER: 1983, p. 77).
Nas próprias cartas que eram endereçadas a Calvino, e as que ele remetia, o conteúdo nos impressiona, pois podemos perceber “o tremendo fardo que pesava sobre os seus ombros. Em carta escrita a Sulcer ele diz: Em todas as partes da França, os irmãos estão implorando a nossa assistência. De todas as partes surgiram cartas solicitando a Calvino que providenciasse pastores e ele sempre procurava um modo de atender a esses apelos.” (BARRO: p. 43). “Epistológrafo copioso, muitas pessoas da Europa e das ilhas britânicas lhe pediam conselhos. Suas cartas, com outros escritos, integram 57 volumes do Corpus Reformatorum, e existem 2000 de seus sermões.” (CAIRNS: 2004, p. 254).
Nos seus comentários, notamos também, a sua preocupação com a obra missionária, “com respeito à Grande Comissão, Calvino menciona: O Senhor ordena aos ministros do evangelho que preguem em lugares distantes, com o propósito de espalhar a salvação em cada parte do mundo. Mais de uma vez ele afirmou esta convicção. Quando comenta I Tm. 2:4 ele declara: Nenhuma nação da terra e nenhum segmento da sociedade estão excluídos da salvação, porque Deus deseja oferecer o evangelho a todos e sem nenhuma exceção. Quando nos familiarizamos com a teologia de Calvino, podemos concluir com certeza que ele entendia perfeitamente que Cristo era a única esperança para a humanidade.” (BARRO: p. 43). Esse detalhe é significante, pois, mostra que, mesmo que Calvino cresce e pregasse a respeito da eleição divina, ele também cria que a pregação do evangelho era o meio dos eleitos serem alcançados. Como bem podemos perceber, “quando lemos as suas cartas e os comentários bíblicos por ele produzidos, encontramos neles uma preocupação com a divulgação do evangelho e com a falta de pastores para as igrejas da época” (BARRO: p. 42).
Calvino não perdia tempo para com a propagação do Reino de Deus. “Por causa das circunstâncias da sua permanência em Genebra, Calvino fez uso de outros elementos para divulgar a fé cristã. Um destes foi a imprensa, que veio a se tornar o principal meio de comunicação nas mãos do reformador. Em 1557 ele permitiu que os seus sermões fossem impressos. Rapidamente eles foram traduzidos para várias línguas como o alemão, latim, francês, italiano, tcheco, inglês, espanhol, holandês e até mesmo o grego.” (BARRO: p. 44). “Segundo uma lista preparada pelo Almirante de Coligny em março de 1562, havia na França, àquela altura, 2.150 igrejas de huguenotes. É complicado confirmar esses números; porém, seria razoável sugerir que havia, pelo menos, 1.250 dessas igrejas, com uma membresia total de mais de dois milhões, dentre uma população nacional de 20 milhões de habitantes” (MCGRATH: pp. 221-222).
Gostaria de conclui esse artigo relembrando um evento histórico mais próximo de nós: Refiro-me a história do protestantismo brasileiro. Pois, ainda no período do Brasil Colonial (1500-1822), e apesar de tão pouco tempo do “descobrimento” do Brasil, e mesmo com uma tremenda investida por parte da Igreja Católica Apostólica Romana, através da Contra-Reforma _ movimento católico que tinha como objetivo inibir o avanço da Reforma Protestante _, isso não foi suficiente para impedir que a fé reformada por aqui chegasse. A tão conhecida França Antártica (1555-67) chegou ao Brasil, “no dia 10 de novembro de 1555 chegaram à Baía de Guanabara, três navios com 600 tripulantes e passageiros, tendo no comando o navegador e aventureiro Nicolau Durant de Villegaignon (pelo seu procedimento de traição para com os huguenotes, ficou conhecido como o Caim da América), de 45 anos, ora católico ora protestante (...). No dia 7 de março de 1557, um ano e três meses depois da primeira expedição, chegou à segunda leva de franceses: cerca de 300 colonos, católicos e sem religião em sua maioria. Com eles vieram quartoze huguenotes de Genebra, enviados por João Calvino _ o qual foi comunicado do pedido pelo chefe dos huguenotes o almirante Gaspar de Coligny_ (...). No dia 10 de março realizou-se o primeiro culto reformado (...). Onze dias depois, 21 de março foi organizada a primeira Igreja Evangélica no Brasil e da América do Sul.” (CÉSAR: 2000, pp. 37-38)[4]. Tenho plena convicção que, o artigo contempla apenas uma síntese raquítica, do que de fato foi a ação missionária do reformador João Calvino. Porém, mesmo assim, quero correr o risco, deixando uma indagação: Se Calvino não teve uma visão missionária (como afirmam alguns), fez o que fez, imaginemos se ele então tivesse tido.
BIBLIOGRAFIA:
BARRO, Antônio Carlos. A consciência missionária de Calvino. In: Revista Fides Reformata, v.3, no 1, Jan-Jun 1998.
BETTENSON, H. Documentos da Igreja Cristã. São Paulo: ASTE, 1998.
CAIRNS, Earle E. O Cristianismo Através dos Séculos – uma história da igreja cristã. São Paulo: Vida Nova, 1995.
CÉSAR, Elben M. Lenz, História da Evangelização do Brasil, 2000
FERREIRA, Wilson Castro, Calvino: Vida, Influência e Teologia, LPC, 1990
GEORGE, Timothy, Teologia dos Reformadores, São Paulo, Vida Nova, 1994.
LEITH, J. H. A Tradição Reformada: Uma Maneira de Ver a Comunidade Cristã. São Paulo: Pendão Real, 1996.
MCGRATH, A vida de João Calvino, São Paulo, Cultura Cristã, 2004.
SILVA, Jouberto Henriger, A Música na Liturgia de Calvino em Genebra In: Revista Fides Reformata, v.7, nº 2, Jul-Dez 2002.
SILVESTRE, Armando Araújo, Calvino e a Resistência ao Estado, Mackenzie, São Paulo2002.
WALKER, História da Igreja Cristã, Rio de Janeiro: JUERP e ASTE, 1983.
[1] Rev. José Roberto de Souza é Pastor da I. P. do Ibura – UR 1 (Recife-PE); Professor e Coord. do Deptº de História da Igreja no Seminário Presbiteriano do Norte (SPN); Especialista em História da Religião e da Arte (UFRPE) ; Mestrando em Teologia e História. E-mail-: revjoseroberto@gmail.com
[2] Ver as inúmeras homenagens que estão sendo feitas ao Reformador João Calvino pela celebração dos 500 anos do seu nascimento: http://www.ipib.org/especiais/calvino09.
[3] A Editora Cultura Cristã lançou recentemente o livro: As Cartas de João Calvino – Celebrando os 500 anos de nascimento do Reformador de Genebra.
[4] Para melhor compreensão desse período, e o conhecimento final dessa história, ver os livros: A Tragédia da Guanabara de Jean Crespin, e Viagem à Terra do Brasil de autoria de Jean de Léry. Léry foi um dos integrantes da comitiva que chegou em 1557 trazendo os calvinistas solicitados por Villegaignon. Ainda durante o período do Brasil Colônia, tivemos a segunda tentativa de implantação da fé reformada calvinista, através dos holandeses (1630-54). Especificamente com Mauricio de Nassau. Para melhor conhecimento desse período, ver a obra do Rev. Frans Leonard, Igreja e Estado no Brasil Holandês.
Rev. José Roberto de Souza[1]
Não podemos negar que a maioria das pessoas, naturalmente, não tem muita simpatia em estudar história. Conseqüentemente desconhecem o passado, bem como de pessoas importantes, as quais deveriam ser sempre lembradas. Digo lembradas, e não veneradas, nem tão pouco cultuadas. Se não tivermos tais cuidados poderemos cair no erro de muitos, pois, “os admiradores criam mitos, e os críticos buscam defeitos” (SILVA: 2002, pp. 85-86). Fica fácil percebermos essa afirmação quando, muitas vezes, essas mesmas pessoas resolvem opinar sobre o que elas tão pouco conhecem. No máximo o que sabem, é fruto de opiniões de terceiros. Infelizmente, no meio evangélico não tem sido diferente. Nesse sentido, muitos têm posições sobre determinados assuntos ou pessoas quando nunca leram sobre esses assuntos, nem tão pouco conhece profundamente essas pessoas as quais são citadas, exemplo é a visão que muitos têm a respeito do reformador João Calvino, como bem observa Silvestre: “Há seguidores de Calvino que se negam a uma leitura mais acurada de seus escritos” (SILVESTRE: p. 216). O saldo disso é que criam uma imagem caricata do reformador.
O reformador João Calvino, mesmo estando próximo da celebração dos 500 anos do seu nascimento(10.07.1509 – 27.05.1564), continua sendo lembrando[2], citado[3], mas, contudo, não faltam opiniões a seu respeito. “Existem muitos retratos contraditórios de Calvino.” (SILVESTRE: 2002, p. 75). “Poucas pessoas na história do cristianismo têm sido tão supremamente estimadas ou tão mesquinhamente desprezadas quanto João Calvino. A maioria dos cristãos, dentre a qual grande parte dos protestantes, conhece apenas dois aspectos a respeito dele: acreditava na predestinação e ordenou que Serveto fosse queimado vivo” (GEORGE: p.167). É certo que essa injustiça cometida ao reformador Calvino, não é nenhuma novidade, pois o seu próprio amigo, já denunciava esse erro: “O próprio Beza dizia que era mais fácil caluniar Calvino do que o imitar.” (FERREIRA: p. 217).
Relembrando um pouco o contexto histórico de Calvino: Foi “reformador da segunda geração. Quando nasceu, na França setentrional, em 1509, Lutero já estava dando conferência na Universidade de Enfurt (...). Os dois reformadores nunca se encontraram pessoalmente. Ainda assim, Lutero elogiou alguns dos primeiros escritos de Calvino que lhes haviam sido enviados.” (GEORGE: pp.165-164). “Calvino, não menos que Lutero e Zuinglio, teve uma formação católica tradicional e deve ter conhecido a sensação de ansiedade e opressão que caracterizava a cultura da baixa Idade Média.” (GEORGE: pp. 171-172).
Como escritor “João Calvino foi incansável. Foi autor não somente das famosas Institutas, mas também de comentários de quase todos os livros da Bíblia, bem como de centenas de cartas e sermões.” (BARRO: p. 42). “O gênio de Calvino era mais para organização do que para especulação teológica.” (BETTENSON: 1998, p. 320). As Institutas da Religião “é a mais influente declaração da teologia reformada em particular e da teologia protestante em geral. É também um marco literário. Calvino escreveu como um mestre da língua latina e foi o primeiro grande teólogo a usar o francês para escrever teologia. “Deliberadamente, ele preferiu utilizar a linguagem comum no lugar do vocabulário dos teólogos escolásticos.” (LEITH: pp. 182-183).
Calvino deixou um legado literário incomparável. Escreveu comentários bíblicos, sermões, folhetos, tratados, cartas, estudos litúrgicos e catequéticos. “Durante sua vida, Calvino escreveu mais do que a maioria das pessoas é capaz de ler.” (GEORGE: p. 188). Como pregador Calvino foi “mestre numa época em que o púlpito era o principal meio de comunicação para uma cultura inteira (...). Calvino pregava duas vezes aos domingos e uma vez por dia em semanas alternadas. Seus sermões eram anotados à mão por diversos fiéis franceses refugiados.” (GEORGE: p. 187). “Verifica-se nos sermões de Calvino uma combinação admirável do teólogo, exegeta e pastor (...).” (FERREIRA: 1990, p. 162).
Uma particularidade pouco conhecida da vida desse reformador é a sua visão concernente a obra missionária. O resultado, não poderia ser diferente: uma visão equivocada, pois “freqüentemente tem sido acusado por muitos historiadores de ter sido inoperante quanto ao mandato missionário dado à igreja de fazer discípulos de todas as nações.” (BARRO: p. 38). Todavia, o que poucos sabem é que, “o pensamento de que Calvino e os outros reformadores não possuíam nenhuma consciência missionária teve inicio entre os católicos romanos, com o propósito de enfraquecer o movimento reformador ante a opinião pública da época.” (BARRO: 1998, p. 39). Infelizmente essa visão equivocada tem sido repetida, não mais só entre os católicos, mas, por muitos que afirmam ser reformados calvinistas. “É certo que Calvino não escreveu, entre os seus muitos livros, nenhum tratado missiológico, mas também é certo que ninguém virá a encontrar algo que tenha escrito contra a idéia de missões. O ponto que queremos ressaltar aqui é que se Calvino não escreveu sobre missões, isso não é motivo suficiente para afirmar que ele não reconheceu a dimensão missionária da igreja.” (BARRO: p. 40). Um detalhe que muitos esquecem é que, “(...) os reformadores são julgados nos padrões do que se entende por missões atualmente (...). Zwemer está certo quando afirma que: João Calvino viveu no século XVI e não no século XIX. Nós não podemos esperar que ele tivesse uma visão mundial como aquela encontrada em William Carey.” (BARRO: p. 42). Sem falar que, se pegarmos o modelo missionário de William Carey, Hudson Taylor e tantos outros, não têm como negar que, muito do que esses servos de Deus fizeram, com a melhor das intenções, erros também foram cometidos.
E mesmo que Calvino não tenha escrito, especificamente sobre missões, encontramos elementos que ratificam que ele teve uma visão, uma preocupação e atitude missionária. “Um estudo sobre oitenta e oito agentes enviados em 105 missões durante o período de 1555 e 1563 fornece importantes impressões a respeito dos sucessos iniciais do Calvinismo.” (MCGRATH: 2004, p. 213). “Calvino assegurou que Genebra fosse um local de refúgio para aqueles que possuíam idéias reformistas. Durante o seu período de exílio, esses refugiados freqüentemente absorviam a perspectiva de Calvino e, ao retornarem aos seus países de origem, continuavam a propagar o Calvinismo.” (MCGRATH: p. 227). “Calvino queria fazer de Genebra o modelo de uma perfeita comunidade cristã. Sua posição estritamente evangélica atraiu grande número de refugiados, muitos deles pessoas de posição, cultas e ricas, mormente da França, mas também da Itália, Países Baixos, Escócia e Inglaterra. Logo se tornaram elas fatores de muita importância na vida genebrina. O próprio Calvino e todos os ministros a eles associados eram estrangeiros.” (WALKER: 1983, p. 77).
Nas próprias cartas que eram endereçadas a Calvino, e as que ele remetia, o conteúdo nos impressiona, pois podemos perceber “o tremendo fardo que pesava sobre os seus ombros. Em carta escrita a Sulcer ele diz: Em todas as partes da França, os irmãos estão implorando a nossa assistência. De todas as partes surgiram cartas solicitando a Calvino que providenciasse pastores e ele sempre procurava um modo de atender a esses apelos.” (BARRO: p. 43). “Epistológrafo copioso, muitas pessoas da Europa e das ilhas britânicas lhe pediam conselhos. Suas cartas, com outros escritos, integram 57 volumes do Corpus Reformatorum, e existem 2000 de seus sermões.” (CAIRNS: 2004, p. 254).
Nos seus comentários, notamos também, a sua preocupação com a obra missionária, “com respeito à Grande Comissão, Calvino menciona: O Senhor ordena aos ministros do evangelho que preguem em lugares distantes, com o propósito de espalhar a salvação em cada parte do mundo. Mais de uma vez ele afirmou esta convicção. Quando comenta I Tm. 2:4 ele declara: Nenhuma nação da terra e nenhum segmento da sociedade estão excluídos da salvação, porque Deus deseja oferecer o evangelho a todos e sem nenhuma exceção. Quando nos familiarizamos com a teologia de Calvino, podemos concluir com certeza que ele entendia perfeitamente que Cristo era a única esperança para a humanidade.” (BARRO: p. 43). Esse detalhe é significante, pois, mostra que, mesmo que Calvino cresce e pregasse a respeito da eleição divina, ele também cria que a pregação do evangelho era o meio dos eleitos serem alcançados. Como bem podemos perceber, “quando lemos as suas cartas e os comentários bíblicos por ele produzidos, encontramos neles uma preocupação com a divulgação do evangelho e com a falta de pastores para as igrejas da época” (BARRO: p. 42).
Calvino não perdia tempo para com a propagação do Reino de Deus. “Por causa das circunstâncias da sua permanência em Genebra, Calvino fez uso de outros elementos para divulgar a fé cristã. Um destes foi a imprensa, que veio a se tornar o principal meio de comunicação nas mãos do reformador. Em 1557 ele permitiu que os seus sermões fossem impressos. Rapidamente eles foram traduzidos para várias línguas como o alemão, latim, francês, italiano, tcheco, inglês, espanhol, holandês e até mesmo o grego.” (BARRO: p. 44). “Segundo uma lista preparada pelo Almirante de Coligny em março de 1562, havia na França, àquela altura, 2.150 igrejas de huguenotes. É complicado confirmar esses números; porém, seria razoável sugerir que havia, pelo menos, 1.250 dessas igrejas, com uma membresia total de mais de dois milhões, dentre uma população nacional de 20 milhões de habitantes” (MCGRATH: pp. 221-222).
Gostaria de conclui esse artigo relembrando um evento histórico mais próximo de nós: Refiro-me a história do protestantismo brasileiro. Pois, ainda no período do Brasil Colonial (1500-1822), e apesar de tão pouco tempo do “descobrimento” do Brasil, e mesmo com uma tremenda investida por parte da Igreja Católica Apostólica Romana, através da Contra-Reforma _ movimento católico que tinha como objetivo inibir o avanço da Reforma Protestante _, isso não foi suficiente para impedir que a fé reformada por aqui chegasse. A tão conhecida França Antártica (1555-67) chegou ao Brasil, “no dia 10 de novembro de 1555 chegaram à Baía de Guanabara, três navios com 600 tripulantes e passageiros, tendo no comando o navegador e aventureiro Nicolau Durant de Villegaignon (pelo seu procedimento de traição para com os huguenotes, ficou conhecido como o Caim da América), de 45 anos, ora católico ora protestante (...). No dia 7 de março de 1557, um ano e três meses depois da primeira expedição, chegou à segunda leva de franceses: cerca de 300 colonos, católicos e sem religião em sua maioria. Com eles vieram quartoze huguenotes de Genebra, enviados por João Calvino _ o qual foi comunicado do pedido pelo chefe dos huguenotes o almirante Gaspar de Coligny_ (...). No dia 10 de março realizou-se o primeiro culto reformado (...). Onze dias depois, 21 de março foi organizada a primeira Igreja Evangélica no Brasil e da América do Sul.” (CÉSAR: 2000, pp. 37-38)[4]. Tenho plena convicção que, o artigo contempla apenas uma síntese raquítica, do que de fato foi a ação missionária do reformador João Calvino. Porém, mesmo assim, quero correr o risco, deixando uma indagação: Se Calvino não teve uma visão missionária (como afirmam alguns), fez o que fez, imaginemos se ele então tivesse tido.
BIBLIOGRAFIA:
BARRO, Antônio Carlos. A consciência missionária de Calvino. In: Revista Fides Reformata, v.3, no 1, Jan-Jun 1998.
BETTENSON, H. Documentos da Igreja Cristã. São Paulo: ASTE, 1998.
CAIRNS, Earle E. O Cristianismo Através dos Séculos – uma história da igreja cristã. São Paulo: Vida Nova, 1995.
CÉSAR, Elben M. Lenz, História da Evangelização do Brasil, 2000
FERREIRA, Wilson Castro, Calvino: Vida, Influência e Teologia, LPC, 1990
GEORGE, Timothy, Teologia dos Reformadores, São Paulo, Vida Nova, 1994.
LEITH, J. H. A Tradição Reformada: Uma Maneira de Ver a Comunidade Cristã. São Paulo: Pendão Real, 1996.
MCGRATH, A vida de João Calvino, São Paulo, Cultura Cristã, 2004.
SILVA, Jouberto Henriger, A Música na Liturgia de Calvino em Genebra In: Revista Fides Reformata, v.7, nº 2, Jul-Dez 2002.
SILVESTRE, Armando Araújo, Calvino e a Resistência ao Estado, Mackenzie, São Paulo2002.
WALKER, História da Igreja Cristã, Rio de Janeiro: JUERP e ASTE, 1983.
[1] Rev. José Roberto de Souza é Pastor da I. P. do Ibura – UR 1 (Recife-PE); Professor e Coord. do Deptº de História da Igreja no Seminário Presbiteriano do Norte (SPN); Especialista em História da Religião e da Arte (UFRPE) ; Mestrando em Teologia e História. E-mail-: revjoseroberto@gmail.com
[2] Ver as inúmeras homenagens que estão sendo feitas ao Reformador João Calvino pela celebração dos 500 anos do seu nascimento: http://www.ipib.org/especiais/calvino09.
[3] A Editora Cultura Cristã lançou recentemente o livro: As Cartas de João Calvino – Celebrando os 500 anos de nascimento do Reformador de Genebra.
[4] Para melhor compreensão desse período, e o conhecimento final dessa história, ver os livros: A Tragédia da Guanabara de Jean Crespin, e Viagem à Terra do Brasil de autoria de Jean de Léry. Léry foi um dos integrantes da comitiva que chegou em 1557 trazendo os calvinistas solicitados por Villegaignon. Ainda durante o período do Brasil Colônia, tivemos a segunda tentativa de implantação da fé reformada calvinista, através dos holandeses (1630-54). Especificamente com Mauricio de Nassau. Para melhor conhecimento desse período, ver a obra do Rev. Frans Leonard, Igreja e Estado no Brasil Holandês.
Temos em Calvino uma autêntica visão missionária. Pensemos por exemplo, que, logo no inicio da colonização do Brasil, uma expedição francesa chegou, com o apoio de Calvino chegou em nossa terra com o ideal de fazer da Guanabara uma nova Genebra. Seu intento não foi alcansado, mas seus enviados aprenderam com o grande mestre a não desistir. Eles, até a morte, não negaram o Senhor. De graça nos deixou uma herança gloriosa a "Confissão da Guanabara". Basta lê-la para conhecer sua história.
ResponderExcluirUm abraço e meus parabéns pela postagem
http://obradagraca.blogspot.com/
Esta postagem desfaz com a caricatura de que o sistema calvinista não gosta de evangelizar!
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