por Manoel Canuto
No dia 30 de abril, o Pequeno Conselho, togados e em cortejo solene, veio à Rua do Canhão, agrupando-se ao redor do leito de Calvino. Calvino novamente agradeceu-lhes por todas as suas demonstrações de bondade. Pediu-lhes perdão pelos seus momentos de raiva e pelos outros pecados cometidos durante os anos em que tinha servido. Aconselhou-os, advertindo e encorajando-os. “Lembrai-vos sempre”, falou-lhes, “que é Deus somente que dá forças a estados e cidades”. Orou ardentemente pelos Conselhos e pela cidade. Deu a cada homem a destra de despedida. Os homens saíram do quarto, chorando “como se tivessem recebido a derradeira bênção de um pai”.
Os ministros vieram no dia seguinte. Calvino conseguiu encontrar força suficiente para falar-lhes também, e por longo tempo. Fazia reminiscências. Podia ainda sentir os cães nos seus calcanhares, latindo e mordendo sua toga e pernas, atiçados por cidadãos inconformados. Podia ouvir os tiros de quarenta ou cinquenta trabucos descarregados sob sua janela antes da sua viagem para o exílio. E a cena no pátio do prédio dos conselhos quando os Duzentos tiveram um entrevero — tal acontecimento foi também revivido por Calvino. “Tereis dificuldades, também, quando Deus me chamar”, advertiu aos pastores. “Mas tende coragem… porquanto Deus usará esta igreja e a manterá, e vos promete que Ele a protegerá”.
“Meus pecados sempre me desgostaram… Rogo-vos, que me perdoeis o mal, e se porventura tenha havido algum bem… fazei dele um exemplo”. Quanto à minha doutrina, “Ensinei com fidelidade, e Deus deu-me a graça de escrever… tão fielmente quanto estava em meu poder”. “Vivi nesta doutrina e nela quero morrer. Perseverai nela, todos vós”. “Amai-vos uns aos outros. Que não haja inveja”.
Houve novamente o aperto de mão para todos. E outra vez a fila de homens em pranto saindo para a Rua do Canhão.
Havia uma mensagem. A quem não senão Farel, o amigo de muitos anos. Farel queria vir. Calvino pensou na velhice do seu amigo e desejava poupar-lhe a viagem de Neuchâtel. “Adeus, bom e querido irmão”, escreveu seu irmão Antoine colocando no papel as palavras. “E por que Deus quer que V. seja o sobrevivente, lembre a nossa amizade, a qual tem sido útil para a igreja de Deus, e cujos frutos nos aguardam no céu. Não se canse em vir até mim. Já estou respirando com dificuldade, e espero a cada hora que o fôlego me falhe de uma vez. Basta que eu viva e morra para Cristo, que é a recompensa para aqueles que são d’Ele, na vida e na morte. Entrego-o, e os irmãos que estão com V., aos cuidados de Deus. Fielmente João Calvino”.
Mas Farel veio assim mesmo, e sentou-se junto ao leito daquele a quem ordenara ficar em Genebra vinte e oito anos atrás. Os dois amigos conversaram. E o velho Farel, com setenta e cinco anos de idade, voltou então para sua casa, caminhando como tinha vindo. Viveria mais um ano antes de unir-se ao seu amigo.
Calvino viveu até o dia 27 de maio. Orava continuamente, em voz alta ou silenciosamente, movimentava os lábios. Nos estertores, atribulado pela dor, clamava com frequência: “Por quanto tempo, Ó Senhor?”. Ou: “Senhor, Tu me esmagas, mas eu me conformo de que seja a Tua mão”.
Morreu em paz, como alguém que pega no sono. Numa noite de sábado — o fim do dia, o fim da semana, o fim de uma vida. Um grande servo estava agora com o seu Mestre.
Ao ouvir a notícia, o povo de Genebra juntou-se silenciosamente do lado de fora da casa da Rua do Canhão. O Pequeno Conselho reuniu-se em sessão especial. O secretário, tentando registrar os sentimentos dos conselheiros, escreveu com sua pena: “Deus o marcou com um caráter de tanta majestade e altivez”. Nas atas do Conselho da igreja, ao lado do nome de Calvino que estava marcado com uma cruz, havia estas palavras: “Levado por Deus, no dia 27 de maio do ano corrente (1564), entre oito e nove horas da noite”.
Na tarde de domingo, às duas horas, o cortejo foi ao campo-santo da igreja, o cemitério Planin-Palais fora dos muros da cidade. Professores, ministros, conselheiros, e cidadãos estavam na grande multidão que seguia o ataúde de pinho. Somente o som de muitos passos interrompiam a quietude dominical.
Calvino tinha pedido no seu testamento que “meu corpo… seja enterrado na maneira usual, para aguardar o dia da abençoada ressurreição”. Não houve, por conseguinte, palavras junto à sepultura. Nenhuma pedra foi colocada para marcar o lugar. Em pouco tempo ninguém sabia onde jazia o corpo de Calvino. A sepultura continua desconhecida até hoje.
Mas algo maior, alguma coisa viva restou. As idéias e obras do homem de Genebra continuam poderosamente vivas através dos séculos. Inspiradas pela Palavra viva, elas penetraram em todo o mundo cristão. Por intermédio delas o pregador de Saint Pierre tem ensinado e moldado a igreja de Cristo. Ele tem falado nas vidas de homens e de nações.
João Calvino era assim, extraordinário servo de Jesus Cristo. Era assim o homem humilde que viveu sob um lema. Soli Deo Gloria, dizia. Glória somente a Deus.
Extraído do livro João Calvino Era Assim (edição de 1968, pgs 198-206) que será publicado pela Editora Os Puritanos em 2009.
Olá irmão.
ResponderExcluirTudo bem?
Adorei o seu blog, tornei-me um seguidor seu.
Convido vc para visitar o meu, http://www.ecclesiareformanda.blogspot.com/
Um abraço
Alberto M de Oliveira
podes Deixar estarei também visitando o amado Irmão. obrigado!
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